Outubro, 1

Correia da Fonseca

O passado dia 1 foi, por consenso internacional, Dia Mundial da Música e Dia Internacional do Idoso. Quanto à música, a televisão fez-lhe referência, não exactamente por generalizada devoção musical mas pelo menos porque nesse dia morreu Charles Aznavour, francês de origem arménia que, como bem se sabe, foi uma destacada figura da canção francófona. Quanto aos idosos, palavra quase eufemística que parece de bom tom usar para designar os velhos, terá sido difícil aos telespectadores deparar com um momento em que qualquer das operadoras de TV se lhes tenha referido durante mais de cinco segundos consecutivos. Talvez se perceba porquê: além de serem um tema pouco apetecível, os velhos são uns chatos e um embaraço, tanto e de tal modo que foi preciso fazer surgir uma espécie de armazéns para guardá-los melhor ou pior até que, sem que incomodem muito, o tempo termine o seu trabalho. O armazenamento de velhos, em muitas situações, até passou a constituir uma actividade comercial menor, ainda que rendável, mas não é tema que pareça apetecível ao jornalismo televisivo que, contudo, ali seguramente encontraria assunto para reportagens que a todos poderiam interessar. Porque, bem se sabe mas muito se esquece, velhos somos todos nós, alguns desde já, outros a prazo salvo caso de força maior, isto é, salvo óbito prematuro.

Uma vez por ano

Decorreram vinte e quatro horas e, é claro, no dia seguinte já não era Dia Internacional do Idoso. Mas nem por isso a televisão estava desobrigada de abordar, neste país de velhos, a questão da velhice e do modo como ela é vivida neste país onde tantos vivem mal mas alguns pior que outros: deixara escapar o dia em que essa abordagem teria sido quase imperiosa mas todos os dias são bons para que falemos de assuntos importantes e sobre eles reflictamos. De passagem, anotemos que o Prós e Contras desse mesmo dia poderia ter tido a oportuna ideia de abordar o tema dos idosos portugueses, mas o programa preferiu enveredar para Tancos, talvez motivado por várias razões entre as quais terá estado o cheirinho a escândalo que o caso exala: o escândalo, qualquer dimensão que tenha, possui um poder de atracção a que a televisão dificilmente resiste. Assim, lá ficaram os idosos sem um serão televisivo em que, com sorte, teriam sido abordados/denunciados os vários flagelos que enfrentam na tirada final do seu caminho e, com mais sorte ainda, poderia ser enunciada alguma providência que os ajude. De qualquer modo, é adequado e mesmo necessário dizer que, passado embora o Dia Internacional do Idoso, é sempre tempo para abordar o assunto. Porque os idosos continuam aí. Quase todos. Menos alguns que entretanto ficaram pelo caminho, é certo, mas mais alguns que se acrescentaram ao contingente. E, entre todos eles, alguns ainda não terão perdido a espectativa de serem lembrados. Ao menos uma vez em cada ano.




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