Celebrar a cerâmica portuguesa
A cerâmica e o azulejo têm forte expressão em Portugal
A cerâmica produzida em Portugal está representada em duas exposições muito diferentes nos seus objectivos mas bem representativas da sua presença no nosso país. No Museu do Azulejo em Lisboa mostra-se o impulso e a modernidade da indústria cerâmica entre guerras, destacando-se a actividade das fábricas Aleluia, Lusitânia, Sacavém e Vista Alegre na fabricação de objectos de uso comum e de como as influências inglesa e francesa, que começaram por ser dominantes, adquiriram novas expressões que firmaram uma originalidade diferente mas mas não menos significativa da que Bordallo Pinheiro nas Caldas da Rainha, com um estilo muito próprio, tinha imposto, alcançando uma qualidade antes desconhecida.
A exposição, na base em duas colecções particulares, organizada por Rita Gomes Ferrão, que se tem dedicado a estudar a produção da cerâmica nacional em toda a sua diversidade e extensão, intitula-se Tempos Modernos – Cerâmica Industrial entre Duas Guerras e segue um imaginoso percurso em que os objectos foram agrupados em séries que recorrem filmes da época para as titular. Uma viagem em que se reavivam memórias por peças com que muitos de nós convivemos nas nossas casas, fazendo descobrir a criatividade de artesãos anónimos atentos às tendências artísticas dominantes que transpunham para iluminarem o que a indústria produzia bem como a imaginação, da mais elaborada à mais ingénua, na concepção desses objectos.
A outra exposição, Reflexos, incide sobre a obra que a Galeria Ratton, desde 1987, tem realizado com base no azulejo, revisitando e revitalizando uma cultura artística com larga tradição em Portugal. São várias exposições em vários espaços expositivos de Setúbal, Galeria do 11, Biblioteca Municipal, Museu do Trabalho, Casa Bocage e Casa da Cultura, que dão uma imagem muito representativa do trabalho realizado com artistas contemporâneos que essa galeria tem convocado para produzirem do pequeno quadrado cerâmico a grandes revestimentos, alguns monumentais, em Portugal e também no estrangeiro.
As exposições foram organizadas em núcleos colectivos onde se podem apreciar as obras de Menez, Júlio Pomar, Bartolomeu Cid dos Santos, Paula Rego, Costa Pinheiro ou Querubim Lapa, um artista incontornável na moderna cerâmica nacional, entre outros, e as individuais de Manuel João Vieira, na Casa Bocage, propondo floras exuberantes e devaneios eróticos em memória de Bocage, um poeta que de modo directo ou indirecto acaba por surgir não só na sua obra pictórica mas também nas canções dos seus grupos musicais.
Individuais ainda a de Sara Maia, no Museu do Trabalho, reportando-se às vivências laborais conserveiras de larga tradição em Setúbal, num imenso painel organizado como uma banda desenhada. A outra exposição individual na Casa da Cultura é de Andreas Stöcklein, artista alemão radicado em Portugal com ligação próxima da cidade sadina para onde realizou a decoração do túnel do Quebedo. São azulejos e painéis de azulejo com uma intencional e bem conseguida integração com a arquitectura que tinha experimentado com êxito no já referido túnel do Quebedo e na que realizou para uma estação de metropolitano em Essen.
São exposições onde a vitalidade da cerâmica portuguesa, por caminhos diversos, se afirma e onde se descobre como esse suporte ancestral muito evoluiu tecnicamente mantendo inalterável o fascínio e encantamento que continuam a provocar.