Papiniano Carlos, escritor insubmisso
Assinalam-se 100 anos do nascimento de Papiniano Carlos. Com uma obra multifacetada destinada a diversos públicos e abrangendo a lírica, o canto, o romance, a crónica e a literatura infantil, tem em toda a sua obra a marca do resistente antifascista, do intelectual progressista e combativo, do escritor insubmisso que nunca perdeu a esperança.
Papiniano Carlos foi referência para os que resistiam
Nascido em Moçambique a 9 de Novembro de 1918, foi o concelho da Maia, e em particular a freguesia de Pedrouços, que escolheu para viver grande parte da sua vida e onde faleceu a 5 de Dezembro de 2012. Cursou Engenharia, Matemáticas e Físico-Químicas e, por ter recusado subscrever a «declaração anticomunista», foi impedido de leccionar no ensino oficial. Como alternativa, deu explicações e foi delegado de propaganda médica.
O seu primeiro livro de versos foi publicado em 1942 sob o título Esboço, a que se seguiu Estrada Nova em 1946, obra visivelmente neo-realista, rapidamente apreendida pela PIDE, fazendo com que Papiniano Carlos passasse a ser, a partir daí, permanentemente vigiado. Apesar disso, prosseguiu a sua intervenção e estabeleceu contactos com o Partido, ao qual aderiu em 1949. Juntamente com a sua companheira, Olívia Vasconcelos, foi importante apoio à luta de resistência do PCP na clandestinidade.
Está representado em diversas antologias da poesia portuguesa e da literatura para a infância, editadas em Portugal e no estrangeiro. Do seu percurso destacam-se ainda contactos e projectos comuns com Egito Gonçalves, Luís Veiga Leitão, António Rebordão Navarro e Pablo Neruda.
Integrou e animou movimentos associativos e culturais da região do Porto e teve papel relevante no movimento da paz e, em particular, no Conselho Português para a Paz e Cooperação. Foi candidato pela Comissão Democrática do Porto nas «eleições» de 1969. Esteve preso três vezes.
Após o 25 de Abril integrou o Sector Intelectual do Porto do PCP, mantendo a elevada militância e participação na luta em defesa das conquistas revolucionárias, em particular a Reforma Agrária e a Constituição da República.
Resistência, unidade e luta
Em tempos de perseguição e repressão, Papiniano Carlos foi referência para os que resistiam e recusavam perder a voz e o sonho. Nunca deixou de verter para a escrita a realidade que conhecia, a dureza da vida dos operários e camponeses, e de homenagear os que o fascismo prendia, torturava e matava na Rua do Heroísmo, no Aljube, em Caxias ou em Peniche. Nunca deixou de acreditar e incentivar outros a acreditar e lutar pela democracia e pela liberdade.
Foi alvo de diversas iniciativas de reconhecimento, designadamente pela Junta de Freguesia de Pedrouços e pela Câmara Municipal do Porto, que lhe atribuiu, por unanimidade, a Medalha de Mérito (Grau Ouro) da cidade. Numa mensagem enviada a uma homenagem que lhe foi dedicada no Porto, pelo seu 90.º aniversário, o camarada Jerónimo de Sousa dizia que a sua poesia era «indissociável do comunista que lutou uma vida toda dando mais força ao Partido, persistindo na senda da felicidade colectiva.» Acrescentando, com recurso à sua obra: «a tua maneira é dos “que erguem andaimes” que “movem gruas” e que “nem sabem envelhecer de tédio”.»
Aproveitamos a passagem do centenário do seu nascimento para evocar este homem das letras, cidadão da cultura e das artes, escritor insubmisso, intelectual comunista com mais de 60 anos de militância, que nos deixou um trabalho de leitura obrigatória. Mas o exemplo de vida e o contributo que deu para o trabalho em unidade – identificando o inimigo em cada contexto, sem perder de perspectiva o objectivo supremo do Partido – merecem igualmente ser valorizados e conhecidos.
No espaço da Organização Regional do Porto na Festa do Avante! estará uma exposição que evoca a sua vida e obra, a par de uma outra de homenagem a Armando Castro, aproveitando a coincidência destes dois intelectuais comunistas terem nascido há 100 anos.