Eleitos do PCP no PE em jornadas no País
LEIRIA Dois dias, 25 iniciativas com a participação de João Ferreira ou de Miguel Viegas em dez dos 16 concelhos do distrito de Leiria, permitiram confirmar que a submissão aos garrotes da União Europeia é o principal obstáculo ao progresso económico e social do País.
Na política patriótica e de esquerda encontramos as chaves para o desenvolvimento soberano com maior justiça social.
A contradição entre um Portugal repleto de potencialidades e recursos, incluindo humanos, mas que desespera à míngua de uma política que os aproveite e multiplique, e os condicionamentos impostos pela integração numa UE arquitectada para servir o capital transnacional, é a principal conclusão a extrair das «Jornadas no País», realizadas quarta e quinta-feira da semana passada, 18 e 19, no distrito de Leiria, com programas paralelos dos deputados do PCP no Parlamento Europeu (PE), João Ferreira e Miguel Viegas.
Investigação, pescas e agricultura estiveram em destaque na manhã do dia 18. Na Escola Superior de Tecnologia do Mar do Instituto Politécnico de Leiria, em Peniche, e depois no Cetemares – Centro de Investigação & Desenvolvimento, Formação e Divulgação do Conhecimento Marítimo, João Ferreira inteirou-se do esforço desenvolvido pelas instituições para dotar de competências diferenciadoras os alunos, no primeiro caso, e avançar no saber, fundamental ou aplicado, em estreita ligação com as necessidades e inovação solicitadas pelas empresas, no segundo caso. Faltam contudo orientações articuladas que permitam extrair deste labor todo o seu valor em diversas dimensões.
O mesmo se pode dizer no que à principal actividade de Peniche diz respeito: a pesca. E neste caso com acrescidas razões, pois o que ressaltou no contacto de João Ferreira com pescadores e armadores, já depois de um encontro com a Associação para o Desenvolvimento de Peniche, é que por vontade da UE e com a resignação dos sucessivos governos e dos partidos da política de direita representados no Parlamento em Estrasburgo, a captura, de sardinha designadamente, já tinha acabado em Portugal ou estava reduzida à sua expressão mínima. Nesse ensejo são usadas todas as diligências, caso de um estudo recente com o «patrocínio europeu» que pretende impor a proibição da pesca daquela espécie, já desmentido por cruzeiros científicos realizados pelo português IPMA, acompanhado por embarcações da arte de cerco. Um dos mestres cuja traineira foi com o navio oceanográfico Noruega relatou mesmo a João Ferreira que os investigadores nacionais puderam observar que o stock de sardinha aumentou consideravelmente desde o ano passado. O mestre foi igualmente porta-voz da indignação que grassa entre quem traz da faina o sustento, nomeadamente quanto às apreensões de pescado em terra. «Os maiores interessados em proteger a sardinha somos nós. Somos a favor do defeso com garantias de rendimento para as tripulações, mas é preciso compreender que uma vez apanhada a sardinha já não pode ser devolvida ao mar. Se quisermos dar o excesso capturado a uma “companha” doutra embarcação que nada apanhou mas tem famílias para alimentar, somos multados», lamentou.
Lutar
Horas depois do encontro de João Ferreira com os pescadores, o Porto de Peniche ficou em polvorosa. Uma apreensão fez estalar a revolta. Dezenas de traineiras acorreram ao cais e decretaram uma paralisação em protesto contra o excesso de zelo que entendem ter como propósito fazer desistir aqueles que ainda resistem. A situação acabaria por regressar à normalidade depois de os pescadores obterem do Governo o compromisso de que seria posto um fim ao abuso nas fiscalizações, e que aquele se bateria pela não proibição da pesca da sardinha, conforme indicam os dados científicos mais rigorosos sobre a quantidade daquele pequeno pelágico na costa lusa.
Miguel Viegas esteve no Porto de Peniche com os pescadores em luta, tendo-se deslocado em cima do acontecimento, pese embora o intenso programa que cumpriu durante todo o dia de quarta-feira em Pedrogão Grande, Castanheira de Pêra, Pombal e Leiria. Nos três primeiros concelhos, encontrou-se com a Associação dos Produtores e Proprietários Florestais do Concelho de Pedrogão, com um apicultor de Castanheira de Pêra, com agricultores e compartes dos baldios da Serra do Sicó (sistema montanhoso Montejunto-Estrela) e com a Associação de Defesa da Floresta e do Mundo Rural, tendo constatado que nada está feito para resolver os problemas estruturais que estão na base da destruição da nossa floresta e da tragédia do ano passado, entre outros aspectos, ao nível da venda justa da madeira queimada, da reflorestação atendendo à sustentabilidade da fileira e à promoção da biodiversidade, dos apoios e investimentos infra-estruturais para a continuidade e dinamização das actividades económicas e do mundo rural, com relevo para as pequenas e médias explorações agrícolas e pecuárias.
Já em Leiria, ao final da tarde, Miguel Viegas visitou a Ribeira dos Milagres e contactou com a população, a qual denunciou que os investimentos previstos não vão lograr a despoluição do Rio Lis, servindo, tal como os anteriores, apenas para «encher os cofres de meia dúzia de empresas de construção».
Simultaneamente, nas Caldas da Rainha, João Ferreira encontrava-se com utentes da Linha do Oeste que para hoje, quinta-feira, 26, agendaram um protesto frente ao Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas. Razões? Muitas e justas, admitiu João Ferreira, ao ouvir que naquela linha, depois de suprimidos horários, os serviços que restam não são cumpridos, sendo os utentes remetidos pela CP para autocarros que demoram mais do dobro do tempo a percorrer o mesmo percurso e escalas. Todas as desculpas servem, frisou o porta-voz da comissão de utentes ao deputado comunista: a electrificação da linha que não está feita, a falta de automotoras a diesel, etc.. O facto é que João Ferreira (tal como muitos dos que ainda se dirigem às estações de caminho-de-ferro na esperança de apanhar uma composição) ficou apeado, não tendo seguido para a «cidade lis» de comboio, como previsto.
Em Leiria, depois do jantar, João Ferreira foi o principal orador num debate intitulado «Para onde vai a Europa?». Nessa mesma noite, mas na Nazaré, Miguel Viegas debateu «O euro e a economia nacional. De resto, os deputados do PCP no PE concluíram sempre as jornadas diárias com debates nocturnos. Para além dos já referidos na quarta-feira, 18, João Ferreira esteve numa sessão pública na quinta-feira, 19, na Marinha Grande, sob o lema «defender a produção e a soberania nacionais. Um Portugal com futuro!». Miguel Viegas, ao mesmo tempo, esteve em Peniche em nova discussão em torno da moeda única e de Portugal.
Serviços e públicos
No segundo dia das «Jornadas no País», que com tal intensidade só os deputados do PCP no PE levam a cabo recolhendo valiosos contributos para a intervenção política no hemiciclo da UE, João Ferreira e Miguel Viegas estiveram bem cedo com utentes e profissionais dos centros de Saúde da Marinha Grande e do Bombarral. Na «cidade vidreira», João Ferreira abordou utentes que esperam horas pela consulta do dia. No caso dos atendimentos agendados, demoram meses a ser concretizados. Dentro das instalações, o eleito comunista falou com médicos que equiparam os próprios gabinetes numa unidade que há muito reclama requalificação, e que aproveitaram a ocasião para condenar a política para o sector no que à admissão de pessoal diz respeito, mantendo o serviço público disfuncional. Miguel Viegas obteve semelhante retrato no Bombarral.
Está bom de ver, e o distrito de Leiria é nesse aspecto paradigmático, que a degradação da rede de cuidados de saúde primários e de urgência de proximidade coloca pressão nos serviços hospitalares. Na reunião que João Ferreira manteve ao final da manhã com a administração do Hospital das Caldas da Rainha, tal foi colocado em cima da mesa, sendo de sublinhar, além do mais, que as carências registadas naquela unidade hospitalar (sucedendo o mesmo em Leiria e Pombal, realçou-se) obrigam a milhares de transferências anuais para os hospitais centrais.
Antes de abordar o Serviço Nacional de Saúde, João Ferreira encontrou-se com a delegação do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, tendo, à mesa e depois no percurso por entre a calcinada Mata Nacional [Pinhal] de Leiria, sido confrontado com o total desinvestimento central naquele património. Resta uma técnica superior para operacionalizar uma exígua equipa de menos de dez operacionais para cerca de duas dezenas de hectares, entre o «Pinhal do Rei» e áreas verdes públicas da região. E rendimento próprio não falta, tanto mais que, antes da tragédia do ano passado, todos os anos a cortina arbórea mandada plantar pelo Rei D. Dinis rendia em mádia 1,5 milhão de euros. A venda de talhões ardidos já permitiu arrecadar mais de 8 milhões de euros, mas investimento que se veja por parte do Governo, ali, nenhum.
Ao final da manhã de quinta-feira, na Lagoa de Óbidos, e ao início da tarde em Alcobaça, também Miguel Viegas se deparou com a falta que fazem apoios públicos à produção e para o património. No caso da Lagoa de Óbidos, está em causa a actividade de cerca de 200 mariscadores cujo sustento está ameaçado sem alternativa à vista. Já no Mosteiro de Alcobaça, paira a ameaça sobre um monumento que sendo Património Mundial se encontra parcialmente abandonado e desprovido dos funcionários adequados.
Produzir
Potencial na criação de emprego e riqueza existe igualmente na vitivinicultura. É disso exemplo o Sanguinhal, onde Miguel Viegas reforçou a convicção de que a revisão da Política Agrícola Comum e a liberalização do sector prevista para a próxima década, a não serem travadas, terão efeitos desastrosos.
Mais vital encontra-se a indústria de moldes na Marinha Grande e arredores. De visita a uma unidade de média dimensão, João Ferreira obteve uma imagem fiel da extraordinária capacidade transformadora de que o ser humano é capaz. A empresa distingue-se, é um facto, mas num Portugal amarrado a interesses alheios ao seu progresso económico e social, persistem sinais de subalternidade que, com outra política, seriam vencidos. Na Planimolde o aço e as máquinas-ferramenta são importados de vários países da Europa. O software específico é comprado a Israel, ficando no ar a pergunta: e se tivéssemos uma siderurgia nacional e estímulo à produção de maquinaria e à criação de programas informáticos, que escala ganhariam as empresas nacionais e que reflexo tal teria no deve e haver do País face ao estrangeiro?
Na conferência de imprensa ocorrida na quinta-feira no CT da Marinha Grande do PCP, João Ferreira e Miguel Viegas não responderam a esta pergunta e a outras que com ela se relacionam. Fizeram-no, em boa medida, nos debates em que participaram na quarta e quinta-feira à noite, detalhando, igualmente, vários elementos da política alternativa, patriótica e de esquerda, que o PCP propõe e na qual encontramos as chaves para um País de desenvolvimento soberano com maior justiça social.
O Trabalho sempre presente
A valorização do trabalho e dos trabalhadores foi central nas «Jornadas no País» realizadas no distrito de Leiria. Em todas as visitas de João Ferreira e Miguel Viegas, as condições em que laboram aqueles que criam riqueza foram alvo de preocupação. Momentos maiores neste âmbito, porém, ocorreram num contacto com trabalhadoras de uma empresa de transformação de pescado em Peniche, ao início da tarde de quarta-feira, 18, constatando-se os baixos salários e a precariedade, bem como a penosidade do trabalho realizado num ambiente fabril onde calor, humidade e velocidade de execução na linha de produção são uma mistura explosiva que se reflecte visivelmente nos corpos.
Já na quinta-feira, 19, João Ferreira, acompanhado por Ângelo Alves, da Comissão Política do PCP, reuniu na sede da União de Sindicatos de Leiria, da CGTP-IN, com mais de uma dezena de organizações representativas de trabalhadores abrangendo vários sectores de actividade. Entre os presentes, muitos haviam estado no dia anterior [quarta-feira, 18] nas galerias da AR a contestar o pacote laboral do Governo do PS, que agrava sobremaneira a exploração.
Além dos já referidos baixos salários e da precariedade – que são a norma numa parcela cada vez mais significativa das empresas e locais de trabalho em Portugal –, a repressão sobre a acção sindical, a intimidação e assédio e o incumprimento pelo patronato das convenções colectivas, foram também denunciados como predominantes no distrito de Leiria.
João Ferreira e Ângelo Alves, tal como haviam feito à porta da fábrica de conservas, deixaram palavras de estímulo à luta e reiteraram que os trabalhadores podem sempre contar com o PCP, assumindo, inclusivamente, que em Estrasburgo como no parlamento em Lisboa, as suas reclamações terão eco.