Pela bitola das grandes potências

Pedro Guerreiro

Vinte anos de euro tiveram efeitos diferenciados em cada país

Aproximando-se a realização do Conselho Europeu de 28 e 29 de Junho – para o qual são de novo anunciadas decisões –, assume particular significado os sinais que a Alemanha vai dando quanto às suas intenções, nomeadamente pela voz de Merkel.

Perante a tentativa do grande capital francês, protagonizada por Macron, em (re)tomar a iniciativa para «recuperar» o seu lugar no denominado «eixo franco-alemão» e diminuir a distância que vai separando a França da Alemanha, desde a conclusão da União Económica e Monetária, com a criação do euro, a resposta alemã pode sintetizar-se na ideia de que não vale a pena mudar as regras de um jogo no qual o grande capital alemão tira o maior partido.

Tendo como pano de fundo o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, de que a crise da União Europeia é parte integrante, vinte anos de euro, com toda a sua incessante panóplia de instrumentos de coerção sobre a soberania e independência de Estados – do «Pacto de estabilidade» ao «Tratado orçamental» – tiveram profundas e diferenciadas consequências nos diferentes países que integram a União Europeia, promovendo factores de contradição e desagregação, desencadeando forças centrífugas, que têm inclusive expressão ao nível do seu directório de potências, até aqui integrado pela Alemanha, a França, a Itália e o Reino Unido. Vejamos, a Itália encontra-se mergulhada numa profunda crise económica e social; o Reino Unido viu-se compelido a sair da União Europeia; e a França viu a Alemanha isolar-se – constatando-se as consequências de uma UEM ditada pela Alemanha e determinada pelos interesses do grande capital transnacional.

Relativamente à UEM, Merkel levanta parte do véu. Numa linguagem cifrada e com eufemismos, admite a transformação do dito «Mecanismo Europeu de Estabilidade» num «Fundo Monetário Europeu» à semelhança do FMI – incluindo os seus condicionais e brutais «programas de ajustamento» –, não estando claro, até ao momento, quais as eventuais consequências para além da modificação do nome. Admite financiamento condicionado à aplicação das denominadas «reformas» nos países que integram o euro, ditadas pelos interesses do grande capital transnacional, incluindo, naturalmente, o alemão. Ao mesmo tempo que afirma rejeitar a chamada partilha de riscos quanto à dívida pública.

Entretanto, o aprofundamento neoliberal, militarista e federalista já determinado ao nível da UE e plasmado na proposta de Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, vai fazendo caminho, destacando-se a promoção do militarismo, da corrida aos armamentos, do intervencionismo, da ingerência e da agressão, assim como, o controlo ao nível da UE das ditas «fronteiras externas» – com a insistência na criação de uma dita polícia europeia de fronteiras –, da política de imigração e de asilo, usurpando competências soberanas dos Estados.

Políticas e medidas determinadas em função da preservação da União Europeia como instrumento para assegurar o domínio político e económico das grandes potências e a imposição da prevalência dos interesses dos seus grandes grupos económicos e financeiros.




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