Luta de classes no Brasil debatida em Portugal

TERRA A 17 de Abril assinala-se o Dia Internacional da Luta Camponesa, em homenagem aos 19 trabalhadores rurais sem terra brasileiros assassinados pela polícia, em 1996, em Eldorado dos Carajás.

O governo de Michel Temer é ilegítimo

Desde então, o massacre passou a ser lembrado em todo o mundo por iniciativa da Via Campesina Internacional (VCI), organização que a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) integra. Este ano, os temas trazidos para o debate visaram alertar para as consequências dos tratados de livre comércio (TLC), assim como para a repressão e criminalização das lutas sociais. Denunciando «o avanço do capital sobre os povos e seus territórios», a organização de camponeses lembra que os TLC são «conduzidos por empresas e estados» que estabelecem regras e leis para «vender» os «activos naturais», de «propriedade comum», como a terra e a água. Estes acordos, acrescenta em comunicado a VCI, «são a expressão de uma onda antidemocrática a nível mundial, que tenta impor os interesses económicos de poucos sobre o bem-estar dos povos».

Luta camponesa
A CNA associou-se às iniciativas realizando, no dia 16, na sua sede e com o apoio do Ateneu de Coimbra, um debate sobre «A luta camponesa no Brasil», com Ceres Hadich, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e Josineide Sousa, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

No encontro, também de solidariedade com o povo do Brasil, falou-se dos ataques aos direitos dos trabalhadores e do aumento da violência naquele país, sem esquecer o actual contexto político altamente preocupante.

Josineide Sousa iniciou a sua intervenção para dizer que a «luta de classes» está em «ascensão» no Brasil. «Vivemos hoje um grande retrocesso», comparável «com o que se viveu na ditadura militar», de 1964 a 1985, afirmou. Assinalou, por outro lado, que a prisão de Lula da Silva – num ano em que estão marcadas eleições para a presidência do Brasil, com todas as sondagens a dar a vitória do ex-presidente – constituiu mais um passo no desenrolar do golpe de Estado institucional iniciado em 2016 com o afastamento da presidente Dilma Rousseff.

A dirigente do MPA alertou, igualmente, para as «privatizações dos recursos naturais» e para o «crescimento do agro-negócio», na «produção e ocupação dos territórios produtivos», o que faz crescer a «violência» contra os camponeses. Só em 2017, recordou, «foram assassinadas 21 lideranças camponesas, quilombolas, indígenas, ribeirinhas e sem terra».

«Continuamos a resistir nas ruas» e «temos consciência de que este golpe no Brasil só será travado com a força do povo», considerou Josineide Sousa.

Natureza do golpe
Ceres Hadich reforçou que o «golpe» do Brasil «não é uma articulação de um grupo isolado no poder», apresentando uma «natureza internacional», política e económica entre a «burguesia (nacional e estrangeira), o poder judicial e o monopólio dos
media», visando acabar «com os direitos conquistados pelos trabalhadores» e extorquir «as riquezas e recursos naturais» do Brasil.

Como muito negativo, a dirigente do MST destacou o congelamento dos gastos públicos sociais (PEC 55) por 20 anos, proposta já promulgada que tem um profundo impacto nos orçamentos da saúde, educação e assistência social. Aprovada foi também uma «Reforma Trabalhista» que praticamente «rasgou a nossa Constituição», informou Ceres Hadich, alertando que o próximo passo do governo golpista, com «uma conjuntura mais favorável», poderá ser a «Reforma da Previdência», que só ainda não foi para a frente graças à «forte mobilização social».

Também nos campos a «ofensiva é tremenda», tendo Ceres Hadich destacado a lei «contra a reforma agrária», que «desregulamenta toda a política de terra que já era muito precária no Brasil» e que agora tomou «um rumo contrário à agricultura familiar». «Com esta nova lei há novos critérios para a selecção de famílias acampadas (despejadas de fazendas). Em 2017 nenhuma família foi abrangida no Brasil», referiu, informando que hoje existem «mais de 150 mil famílias», organizadas pelo MST, que aguardam «o direito de serem assentadas».

Esperança para o Brasil
«Estamos a viver um exaltante momento da luta de classes» que, tal como em 1989, «tem levado para o campo da política um cenário de disputa de projectos antagónicos para a sociedade», afirmou a dirigente do MST, concluindo: «Hoje, Lula da Silva é muito mais do que um indivíduo, ele é a expressão daquilo que a classe trabalhadora tem como esperança para o Brasil».

Plantar o futuro com a Reforma Agrária

No dia anterior, 15, Ceres Hadich participou no 8.º Congresso da CNA, realizado em Coimbra. Em declarações ao Avante!, a dirigente do MST falou do actual momento, «difícil e crucial, para a democracia no Brasil», mas também para a «agricultura familiar e camponesa no mundo». Neste âmbito, a luta dos «camponeses e camponesas, organizados e conscientes» do seu «papel histórico», tem de ser «por um projecto de agricultura que venha ao encontro das necessidades do povo», reforçou.

Explicitou ainda que o programa de agricultura e soberania alimentar do MST – para além de criar bases técnicas, políticas e económicas – visa «fortalecer a capacidade de organizar e defender os nossos direitos enquanto trabalhadores e classe trabalhadora» e «lutar pela Reforma Agrária».

Viver com condições
«O direito do acesso à terra é um passo fundamental. Mas isso não basta. Precisamos de viver com condições dignas», com «educação, saúde, segurança, direitos sociais, espaço para a participação das mulheres, dos jovens, dos anciãos, respeitando as diferentes orientações sexuais e opções religiosas».

Ceres Hadich destacou, por outro lado, a Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária, com o lema «Massacre de Eldorado dos Carajás – 22 anos de impunidade: Reforma Agrária e Lula Livre já!», que se estendeu a 19 estados brasileiros, através de bloqueios de estradas, ocupações de terras/fazendas e das instalações da Rede Globo. Continuam os acampamentos em Curitiba e em Brasília.

Neste cenário, a «luta pela Reforma Agrária», com «mais de 500 anos pelo direito de acesso à terra», é também «contra o avanço do golpe» iniciado em 2016.




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