UE: visões distorcidas da parentalidade (II)
O pagamento da licença, seja de maternidade, de paternidade ou parental a 100% é fundamental como elemento de igualdade e de proteção dos interesses da mulher e de salvaguarda do seu direito ao trabalho. Não sendo assim, e numa sociedade onde a mulher tem, em média, um vencimento inferior em 17% ao do homem, mantendo-se a dita não transferibilidade, tal implica que se imponha sempre ao casal um corte no vencimento comum que é agravado no período em que seja o pai a usufruir da licença. Redundará assim no afastamento do homem da fruição daquele direito e do seu papel mais activo no acompanhamento familiar.
Registamos, negativamente, a proposta da Comissão Europeia de condicionar a atribuição da licença às «necessidades» da empresa, avançando como justificação as supostas dificuldades com que as PME se defrontam no momento de conceder este direito aos trabalhadores. Mais uma vez, sobrepõe-se o interesse do lucro ao interesse dos trabalhadores e dos povos, contribuindo, dissimuladamente, para remeter a mulher para fora do mundo do trabalho. Acresce que a proposta assenta na degradação das condições laborais, como forma de «facilitar» a conciliação do trabalho e da família. Tal passa pela adaptabilidade do horário do trabalho – ao invés de considerar uma redução – propondo modalidades laborais como o teletrabalho, soluções que apenas promovem a desregulação do trabalho e da vida pessoal, em que ambos se fundem, com perda do direito ao lazer e ao descanso.
A proposta avança ainda a ideia de criar uma licença de cuidador, que permite aos pais terem 5 dias por ano para «cuidar» da criança, por motivos imprevistos – doença por exemplo. Assemelha-se muito, por baixo, ao direito que em Portugal se consagra como assistência à família, que define 15 dias por ano para aquele fim. Introduz, contudo, a normalização na legislação de um conceito perigoso que é o de cuidador. Aliás, é quase contraditório que surja motivado na realidade de que muitos pais (sobretudo mulheres) deixam de trabalhar para cuidarem de familiares directos por motivos de doença. Ora o que é uma realidade muito particular e de longa duração – que deve ter respostas próprias e que não está desligada da destruição das funções sociais do estado e da degradação dos serviços de saúde e de cuidados – é agora introduzida na legislação. Está bom de ver o passo seguinte, de formalizar a figura do «cuidador» familiar, miseravelmente subsidiado pelo Estado, legitimando a sua desresponsabilização e a ausência de oferta de serviços que garantam efectivos e adequados cuidados pessoais.
Os deputados do PCP no PE, apresentaram alterações de profunda reformulação da proposta da Comissão, com vista ao pagamento da licença a 100%; ao direito da fruição da licença de forma continuada após o nascimento da criança e de uma repartição que respeite a decisão do casal; à proteção do posto de trabalho e a rejeição de propostas de desregulação laboral; à criação de uma licença parental complementar; ao direito à assistência à família; à criação de respostas sociais assentes no reforço do serviço público e de redes publicas de apoio familiar como sejam as creches.