Leonardo da Vinci – genial artista e visonário
No torreão poente da Cordoaria, uma exposição fascinante
O que nas categorizações da história se chama 'Renascença' é um período que se situa entre os anos de 1300 e 1600. O sentido do termo é o de um renascimento do homem, da sociedade e da humanidade que retoma os ideais clássicos (greco-romanos) e marca o fim da Idade Média, com o feudalismo em declínio a dar lugar a monarquias centralizadoras e ao capitalismo nascente, como Marx e Engels enunciaram, nomeadamente no Manifesto Comunista, anotando os aspectos, na época revolucionários, sublinhados no prefácio de Engels à primeira edição italiana do Manifesto, onde também anota os seus reflexos nas artes referindo Dante como o último poeta da Idade Média e o primeiro da Renascença. É uma nota importante por o espírito renascentista considerar a Idade Média como um tempo de trevas, um conceito que durante largo tempo teve acolhimento e só foi revisto na historiografia moderna.
A raiz dessa ideia está na grande expansão criativa que marcou a Renascença, das ciências às artes, criando o estereótipo do Homem da Renascença caracterizado pela diversidade de conhecimentos, a procura de novos sentidos para a sua própria existência com a consequente nova concepção do ser humano e uma nova compreensão do mundo, num contexto muitíssimo complexo bem descrito por Marguerite Yourcenar na Obra ao Negro.
Se há alguém que corporize esse arquétipo é Leonardo da Vinci. Pintor, escultor, arquitecto, botânico, anatomista, matemático, engenheiro, geómetra, cientista-artista, artista-cientista. Um visionário, artista e inventor com uma inteligência, uma criatividade e uma inquietude que nunca o abandonaram.
Na pintura, o núcleo central da sua actividade, os seus quadros e frescos são notáveis não só pela arte mas também pelas técnicas que utilizava em que estava sempre a inovar, criando novos pigmentos, novos meios para os produzir, novos instrumentos para os realizar. Paralelamente produziu milhares de páginas contendo esboços, desenhos, anotações com esquemas das mais variadas armas de guerra, máquinas de voar, aquedutos, estudos anatómicos, de proporção, de botânica, de geometria. São muitos os seus escritos sobre todas essas áreas.
O inventor
Menos divulgados são os textos de Da Vinci sobre culinária. Não são de estranhar sabendo-se do seu trabalho nas cozinhas quando era criança e o ter sido nomeado pelos Sforza, uma das mais poderosas famílias da Renascença italiana, Mestre de Folias e Banquetes, cargo que ocupou durante treze anos, em que juntamente com receitas excêntricas, que na sua opinião procuram «civilizar» os grandes pratos do Renascimento, estabelece normas de etiqueta e de higiene e, como seria expectável, desenha máquinas para secar roupa, assadores automáticos, um separador de rãs da água potável, um saca-rolhas para esquerdinos, uma trituradora gigante, um cortador de ovos, um enrolador de esparguete, etc. Esse seu interesse pela cozinha poderia ser tema de uma exposição, tal como os muitos outros temas por onde espalhou a sua genialidade.
Leonardo nasceu em 1452, perto de Vinci, na Toscana, filho ilegítimo de uma aldeã com um tabelião. Viveu primeiramente em Florença, onde estudou com Verrocchio. Mais tarde, mudou-se para Milão, onde se tornou conhecido e pintou a celebérrima Última Ceia, que lhe ocupou três anos. O auge de sua carreira coincidiu com as alianças entre César Borgia e o rei francês Luís XII, quando recebeu o título de engenheiro-geral de toda a Toscana. Em 1513, seguiu para Roma, onde viveu uma experiência curta, mas intensa. Retornou a Milão, viajou bastante, por fim estabeleceu-se em França, sob o reinado de Francisco I, por não ver «nenhum príncipe italiano a quem se dirigir, já que Rafael reina no Vaticano, Michelangelo em Florença e Ticiano em Veneza». Em 1516, instalou-se no castelo de Amboise, onde morreu dois anos depois.
Do muito que escreveu sublinhe-se este apotegma: «O Bom pintor é aquele que é capaz de representar duas coisas principais, chamadas Homem e Os Trabalhos da Mente do Homem».
É uma parte importante desses trabalhos da mente do homem, do homem Leonardo da Vinci que agora se pode ver em Lisboa, até 29 de Abril, no torreão poente da Cordoaria, numa exposição intitulada Leonardo da Vinci – O inventor.
São apresentadas em tamanho real mais de 20 das suas invenções, explicadas em milhares de desenhos, diagramas feitos por Da Vinci, que possibilitam a feitura de interessantes animações em 3D. É uma viagem fascinante a uma parte significativa do que esse génio visionário nos legou.