Acto heróico e fonte de ensinamentos

Gustavo Carneiro

Na Ma­rinha Grande, os ope­rá­rios to­maram o poder na vila por al­gumas horas

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Já muito se disse e es­creveu sobre a jor­nada de luta do pro­le­ta­riado por­tu­guês de 18 de Ja­neiro de 1934 contra a fas­ci­zação dos sin­di­catos, pelo di­reito à livre or­ga­ni­zação, por uma vida me­lhor: que fi­gu­rará sempre como um marco im­por­tante na luta he­róica dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses contra o fas­cismo; que foi uma res­posta que se im­punha face à bru­ta­li­dade da ofen­siva fas­cista contra o sin­di­ca­lismo livre; que só na Ma­rinha Grande atingiu os ob­jec­tivos a que se pro­punha; que dadas as con­di­ções exis­tentes a greve geral re­vo­lu­ci­o­nária es­tava con­de­nada ao fra­casso; e que a sua der­rota cons­ti­tuiu não apenas o canto do cisne da in­fluência anar­quista no mo­vi­mento ope­rário como também uma rica fonte de en­si­na­mentos para pros­se­guir com êxito o com­bate contra o fas­cismo.

Na ver­dade, tanto nos êxitos como nos fra­cassos, a jor­nada de 18 de Ja­neiro mos­trou que, como su­bli­nhou Álvaro Cu­nhal no Rumo à Vi­tória, «sem or­ga­ni­zação podem fazer-se “coisas”. Mas não se podem lançar grandes lutas, dar-lhes con­ti­nui­dade, elevá-las a um nível su­pe­rior». Foi esta a prin­cipal di­fe­rença entre a in­sur­reição na Ma­rinha Grande, onde os ope­rá­rios che­garam mesmo a tomar o poder na vila, e as pa­ra­li­sa­ções e ac­ções de agi­tação e sa­bo­tagem, co­ra­josas mas na maior parte das vezes iso­ladas, ocor­ridas nou­tros lo­cais.

Ao con­trário do que su­cedeu em muitas ou­tras lo­ca­li­dades em que a jor­nada se fez sentir, como na Margem Sul do Tejo, no Alen­tejo e no Al­garve, na vila vi­dreira o PCP era já então a força di­ri­gente da classe ope­rária, com uma po­de­rosa or­ga­ni­zação nas fá­bricas e ine­gável ca­pa­ci­dade de mo­bi­li­zação. As lutas que an­te­ce­deram esse he­róico Ja­neiro e a ra­pidez com que a or­ga­ni­zação par­ti­dária se re­compôs após a brutal re­pressão que se se­guiu ao es­ma­ga­mento da re­volta são disso o mais con­tun­dente exemplo.

O le­van­ta­mento de 18 de Ja­neiro de 1934 tem lugar ga­ran­tido na his­tória da luta eman­ci­pa­dora do pro­le­ta­riado por muito mais mo­tivos do que a co­ragem e ge­ne­ro­si­dade de­mons­trada por todos quantos nela par­ti­ci­param, in­de­pen­den­te­mente de erros de aná­lise e ava­li­ação que es­ti­veram pre­sentes na con­vo­cação, or­ga­ni­zação e re­a­li­zação da greve geral re­vo­lu­ci­o­nária.

Re­sis­tência de massas

Como es­creveu o co­mu­nista ma­ri­nhense Jo­a­quim Gomes, foi nesse dia, na Ma­rinha Grande, que os ope­rá­rios, «de armas na mão e pela pri­meira vez em Por­tugal, en­fren­taram os seus ex­plo­ra­dores e ini­migos de classe», o que as­sumiu uma enorme im­por­tância ao de­mons­trar aos tra­ba­lha­dores e às forças de­mo­crá­ticas «que a di­ta­dura de Sa­lazar e o brutal apa­relho re­pres­sivo em que se apoiava po­diam ser en­fren­tados, con­tidos e até mesmo der­ro­tados». O efeito sim­bó­lico foi po­de­roso e du­ra­douro.

Do­mingos Abrantes, num ar­tigo pu­bli­cado em 2009 nas pá­ginas d’ O Mi­li­tante, re­alça outra par­ti­cu­la­ri­dade da jor­nada de 1934: foi a pri­meira vez, e du­rante muitos anos a única, que di­fe­rentes or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores (Co­missão Inter-Sin­dical, Con­fe­de­ração Geral do Tra­balho, Fe­de­ração das As­so­ci­a­ções Ope­rá­rias e Sin­di­catos Au­tó­nomos) «se con­gre­garam numa “Frente Única” contra o fas­cismo», o que só foi pos­sível graças à ini­ci­a­tiva e em­pe­nha­mento do PCP e da CIS.

O le­van­ta­mento de 18 de Ja­neiro teve como causa pró­xima a en­trada em vigor, no prin­cípio de 1934, do Es­ta­tuto Na­ci­onal do Tra­balho, re­pli­cado da Carta Dei La­voro de Mus­so­lini, que pôs fim ao sin­di­ca­lismo livre e ins­ti­tuiu os Sin­di­catos Na­ci­o­nais, in­te­grados na es­tru­tura cor­po­ra­tiva do Es­tado fas­cista então em ace­le­rada cons­trução. Mas nem isto con­se­guiu im­pedir o cres­ci­mento im­pe­tuoso da in­fluência do PCP nos sin­di­catos, so­bre­tudo após a re­or­ga­ni­zação de 1940/​41 e a apli­cação à re­a­li­dade por­tu­guesa das con­clu­sões do VII Con­gresso da In­ter­na­ci­onal Co­mu­nista, no­me­a­da­mente a de agir no seio dos sin­di­catos fas­cistas, con­cre­ti­zando a con­signa de Di­mi­trov: «tra­balho de massas, luta de massas, re­sis­tência de massas.»




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