A ausência
No passado sábado, 16 de Dezembro, completaram-se cem anos sobre o nascimento do escritor Manuel Ferreira, falecido em 1992, e para assinalar a efeméride realizou-se no Centro Cultural de Belém uma sessão evocativa e, naturalmente, de homenagem ao intelectual e à sua obra. Sabe-se que alguns dos que lá estiveram tinham entrado no CCB apreensivos: receavam que apenas um escasso número de admiradores de Manuel Ferreira se tivesse deslocado a Belém e que a sala onde a sessão se realizasse tivesse muitas mais cadeiras vazias do que lugares ocupados. Era um receio sem fundamento: a ampla sala estava cheia, era evidente que Manuel Ferreira não estava esquecido nem menosprezado, e entre leitores da sua obra de ficcionista e ensaísta, antigos alunos e muito prováveis estudiosos da literatura africana de expressão portuguesa (actividade de que Manuel Ferreira foi pioneiro e paladino) era difícil arranjar lugar vago. As intervenções havidas foram excelentes quer ao abordarem o seu difícil percurso de vida, com prisão pela PIDE quando era ainda muito jovem e um itinerário de estudos nunca favorecido pelas circunstâncias, quer ao referirem a firmeza do seu carácter e das convicções «patrióticas e de esquerda», como hoje se diria, que o conduziram ao PCP e, na sua qualidade de militar, ao 25 de Abril. A sessão foi, pois, um êxito, e não se notou nela ausências relevantes. Excepto uma: a da Radiotelevisão Portuguesa.
Um currículo precioso
A presença da Radiotelevisão Portuguesa na sessão que assinalava o centenário de Manuel Ferreira impor-se-ia desde logo pela importância da tríplice dimensão do escritor no quadro da cultura literária portuguesa no passado século: como autor de uma significativa obra de ficcionista duas vezes premiado (Prémio Fernão Mendes Pinto e Ricardo Malheiros), como ensaísta especialmente dedicado à literatura cabo-verdiana de que foi empenhado divulgador em Portugal e como criador na Faculdade de Letras de Lisboa, após Abril, da cadeira de Literatura Africana em Língua Portuguesa, importante órgão estimulador da preservação da nossa Língua em diversos lugares do mundo.
Mas para além destas qualificações que já não são escassas, concorre na biografia de Manuel Ferreira um outro dado a que a Radiotelevisão Portuguesa deveria estar especialmente atenta e que tornava a sua presença obrigatória no CCB naquela tarde de sábado: Manuel Ferreira foi o primeiro Director de Programas Culturais da RTP após o 25 de Abril com a tripla justificação de nele então convergirem as condições de intelectual, de resistente e de militar. Bem se sabe, é certo, que as tardes de sábado da RTP, mesmo na «2», pendem mais para actividades desportivas, mas o centenário do seu primeiro Director de Programas Culturais em democracia justificava uma excepção. E neste caso nem podemos dizer, resignados, que fica para a outra vez. Porque o segundo centenário do nascimento de Manuel Ferreira vem longe e o mundo está a andar muito depressa na destruição de valores.