«Abaixo de cão»

Rui Fernandes

O polícia começa como agente, o cão começa como agente principal

O jornal i publicou recentemente uma entrevista ao presidente da ASPP, na qual são sublinhados vários aspectos da vida sócio-profissional dos homens e mulheres da PSP. Problemas que não são notícia porque as notícias são a mais das vezes sobre a espuma dos dias. É por isso particularmente importante que os cidadãos saibam que, como refere Paulo Rodrigues, se um polícia não passa no teste regular que faz sobre o uso da arma de fogo a arma é-lhe retirada, mas que decorre daí a perda de todos os suplementos de âmbito operacional, bem como deixa de poder fazer serviços extra como os gratificados, situação que se mantém até à repetição do teste e a sua aprovação. Tal como é importante saberem que o ingresso na Polícia se faz no escalão indiciário de 800 euros e que um agente pode estar, como acontece, 16 anos nessa mesma situação. Saberem que nem todos têm coletes de protecção balística e que muitos dos existentes estão fora do prazo de validade, ou que para um profissional concorrer a subchefe pode ter pela frente uma espera de 12 anos.

Pela mesma ocasião saiu um artigo de César Nogueira (CM de 2/12), presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG), no qual é mais uma vez referido que ainda estão por solucionar problemas de há muitos anos relacionados com a decisão de ser criada uma Tabela Remuneratória Única, ou que persistem muitas centenas de promoções em atraso, entre vários outros problemas. Regista-se igualmente recorrentes artigos e comentários do presidente do sindicato dos inspectores do SEF sobre a falta de efectivos para responder às crescentes solicitações, mas o mesmo se pode dizer dos que no SEF prestam serviço e não são inspectores. Claro que se referencia a falta de efectivos que é aquilo que tem impacto no funcionamento do serviço com o que é exterior a ele, mas o conjunto dos problemas não se esgota nisso.

Mas podíamos também falar numa força que não é da área do MAI, a Polícia Judiciária, e do prolongado definhamento a quem tem sido conduzida, com impacto directo nos meios para a investigação, ou seja, para a efectivação da Justiça. Absolutamente inaceitável!

É necessário operacionalizar a resposta
Ouvimos o primeiro-ministro dizer, a propósito de outra matéria, que «tudo para todos, já, não existe», sendo que o «já» é da lavra de quem o proferiu. Mas é bom ter consciência de que o problema de acumulação de matérias por resolver nestas áreas é imenso, como o primeiro-ministro bem sabe, desde logo porque foi ministro da Administração Interna e algumas ainda remontam a esse tempo. Ou seja, o «não existe» tem sido a tónica das políticas ao longo de anos para estas áreas e o «já» um espantalho. Essa linha do «não existe» foi acentuada pelas medidas de âmbito geral e particular do governo PSD/CDS.

O velho «filme»
Foi neste contexto que no passado dia 7 de Dezembro se discutiu na Assembleia da República um pacote de iniciativas do PCP visando eliminar o corte de dias de férias para os profissionais da GNR em resultado do novo Estatuto, equiparar o seu horário de trabalho ao em vigor para a PSP e consagrar o direito à existência de delegados das estruturas sócio-profissionais da GNR nas unidades, dando plenitude ao seu papel enquanto estruturas representativas. O CDS, com vergonha de assumir aquilo que de facto pensa, pela voz da deputada Vânia da Silva, passou um atestado de menoridade à Assembleia da República sobre a sua capacidade para responder a esses problemas. O PSD, pela voz de José Silvano, optou por falar daquilo que não estava colocado, vincando a natureza militar da GNR. Além do mais faltou à verdade. Pelo PS, Susana Amador, falou do diálogo, como se este diálogo alterasse leis e consagrasse direitos. Os projectos foram chumbados, mas não a justeza dos mesmos. Mais uma vez se assistiu ao já velho e gasto filme: belos discursos, elogios ao desempenho cá dentro (no País) e cada vez mais lá fora, e espera-se que o filme rebobine para passar de novo, enquanto os direitos concretos, a vida concreta dos profissionais ficam na mesma e a sua paciência se vai esgotando.

É, por isso, particularmente feliz o exemplo dado por Paulo Rodrigues na entrevista acima assinalada, quando à pergunta sobre se «a polícia fica com algum dinheiro desse trabalho dos remunerados?» responde: «Não, do elemento não, só se esse remunerado (ou seja, o polícia que vai fazer esse serviço, aclaramos nós) tiver de levar uma viatura para esse serviço ou um cão (refere-se aos cães polícia)». E acrescenta «O polícia começa como agente, o cão começa como agente principal. Costumamos dizer que começamos abaixo de cão...».

A substancial diferença, dizemos nós, é que o Homem pensa e sabe, por isso, unir-se e lutar pela sua dignificação e direitos.

 



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