A seca e as medidas necessárias
Agravaram-se problemas decorrentes de transferência de água
De acordo com o índice meteorológico de seca, no final de Outubro 75,2% do território de Portugal continental encontrava-se em situação de seca extema e 24,8% em situação de seca severa. Enquanto que em situações de seca anteriores o início do Outono trouxe um significativo desagravamento da severidade (classes severa e extrema), pelo contrário, este ano verificou-se em igual período um agravamento.
Sabemos que períodos de seca acontecem, tal como períodos de cheias. Aquilo que devemos analisar e discutir são as medidas para mitigar consequências, garantindo que não falte a água nas torneiras, para consumo humano, e nos campos para assegurar a produção agro-pecuária.
Torna-se fundamental avaliar a capacidade das estruturas públicas e o nível de investimento público para levar a cabo uma política de planificação do uso de água capaz de fazer face a períodos extremos. É também fundamental denunciar visões que tentam aproveitar para justificar a mercantilização, centrando discursos na necessidade de aumento dos preços, passando o ónus do problema para as famílias e para os pequenos agricultores.
Como consequência de anos de política de direita, as estruturas públicas perderam trabalhadores, meios e competências, foram afastadas da gestão das albufeiras, todas concessionadas a entidades privadas ou de direito privado a quem se delegou competências de administração. Não podemos desligar estas opções dos problemas que têm vindo a público, com o não cumprimento de caudais ecológicos dos rios. Nos últimos anos agravaram-se problemas decorrentes de transferência de água (com particular ênfase para os empreendimentos espanhóis/transvases), assim como má gestão ou gestão concentrada na obtenção de lucro nas barragens de produção energética, agravando problemas de poluição e de perda de qualidade da água. Agravaram-se os problemas, sendo que as estruturas públicas perderam capacidade de assegurar a gestão, a planificação e até a monitorização de protocolos internacionais.
Bem comum
Sucessivos governos têm adiado investimentos – barragens, albufeiras, obras hidroagrícolas – indispensáveis à captação das águas de superfície para assegurar o abastecimento regular, para facilitar a reposição dos lençóis freáticos e para assegurar os caudais ecológicos essenciais à salvaguarda ambiental, garantindo a fruição dos direitos de todos os cidadãos, a adequada utilização da água no sistema produtivo e a qualidade das suas funções ecológicas e ambientais.
Para o PCP a gestão e administração dos recursos hídricos, do domínio público hídrico têm que ser exercidas por administração directa das autarquias ou do Estado central e a mercantilização da água tem que ser proibida. Na proposta do PCP de Lei de Bases da Água está definida a necessidade de estabelecer critérios sobre a hierarquização dos usos, de modo a garantir que, quando escasseia a água, esteja definido onde se poupa e onde não pode faltar. Para tudo isto é necessário que exista uma administração pública com meios, capaz de planear, monitorizar e actuar e exista também investimento público em instrumentos físicos de reserva e controlo, com ênfase para as barragens e albufeiras, assim como administração dos aquíferos subterrâneos.
Como se diz na proposta de Lei de bases do Ambiente do PCP: «O uso da água não pode ser tratado na perspectiva da sua apropriação nem do seu comércio, mas como a participação num fluxo em harmonia de processos dinâmicos, com dimensão no tempo e no espaço determinando transformações permanentes e interligadas. Não há lugar a individualismo, nem a competição, nem à procura de mais-valias de curto prazo. A menos que se queira agravar as iniquidades actuais e hipotecar o futuro».