Os imprevidentes

Correia da Fonseca

A te­le­visão, sempre dis­po­nível para dar-nos bons con­se­lhos e tentar cor­rigir as nossas im­pre­vi­dên­cias, teve o cui­dado de nos avisar de que o pas­sado dia 31 de Ou­tubro era o Dia Mun­dial da Pou­pança e, não apenas nesse dia mas também em dias se­guintes, de in­formar-nos de que es­tamos a poupar pouco, menos do que já pou­pámos e muito menos do que seria de­se­jável. É certo que, como por vezes nos é dito pela mes­mís­sima te­le­visão, as grandes for­tunas por­tu­guesas, as tais que fi­guram em sim­pá­tico lugar na re­vista «Forbes», con­ti­nuam a crescer, o que ob­vi­a­mente deve sus­citar pa­trió­tico or­gulho em todos nós, mas pa­rece ser es­casso, e por­tanto in­sa­tis­fa­tório, o vo­lume de de­pó­sitos à ordem ou a prazo con­fi­ados à banca ou in­ves­tidos em tí­tulos. A coisa pa­rece ser grave, de­sig­na­da­mente para o sis­tema ban­cário por­tu­guês, pois com menos vul­tosa car­teira de de­pó­sitos não podem os bancos de­bitar tantas taxas, co­mis­sões e ou­tras al­ca­valas que os com­pensem do tra­ba­lhão que têm para ar­re­cadar o nosso di­nheiro, quando o haja, e em­prestá-lo de­pois a bom juro. Neste quadro, torna-se evi­dente que a pou­pança é não apenas um in­te­resse de quem poupa mas também e so­bre­tudo um dever pa­trió­tico. Pelo que bem se en­tendem o im­plí­cito agas­ta­mento da TV contra quem não poupa e a não menos im­plí­cita per­gunta: o que fazem os por­tu­gueses ao di­nheiro que de­certo lhes sobra so­bre­tudo agora, de­pois da de­vo­lução de ren­di­mentos a que o ac­tual Go­verno pro­cedeu?

A outra acu­mu­lação

A res­posta à questão é im­por­tante: é sempre im­por­tante saber «para onde vai o di­nheiro», mais ainda quando existe a ex­pec­ta­tiva de ele en­trar nos cir­cuitos eco­nó­micos e desse modo di­na­mizar a eco­nomia. Ao queixar-se de que os por­tu­gueses não poupam, está a TV a abrir ca­minho para que se re­e­dite uma acu­sação que há ainda pouco tempo sus­citou in­dig­na­ções: não poupam porque são uns im­pre­vi­dentes e andam a gastar acima das suas pos­si­bi­li­dades. Até uma voz vinda de longe, de um país onde cri­a­turas de alu­guer são ex­postas em mon­tras, pode com­pletar: andam a gastar com mu­lheres e copos. Convém por isso olhar as coisas mais de perto, re­ca­pi­tular acon­te­ci­mentos, e quem o fizer en­con­trará muitas e muitas vezes uma ex­pli­cação es­que­cida que convém re­cordar: é que, du­rante os anos agrestes em que a cum­pli­ci­dade troika/​PSD/​CDS mandou em Por­tugal, mi­lhares de por­tu­gueses fe­ridos nas suas ne­ces­si­dades quo­ti­di­anas não pu­deram acu­mular pou­panças mas acu­mu­laram, isso sim, ca­rên­cias, ne­ces­si­dades e dí­vidas que só nos úl­timos dois anos vêm po­dendo re­solver. Essa triste acu­mu­lação é uma es­pécie de fe­rida, em muitos casos ainda aberta e em di­fícil pro­cesso de cura, que é in­com­pa­tível com a cons­ti­tuição das pou­panças tão de­se­jadas e re­cla­madas por quem só de muito longe olha as des­graças alheias, quando as olha. Vale a pena re­cordar, a pro­pó­sito, que mesmo em clima agreste para a mai­oria houve quem pu­desse não apenas fazer pou­panças mas também trans­feri-las para pa­raísos fis­cais. Não foi disso, con­tudo, que a te­le­visão se queixou no Dia Mun­dial da Pou­pança. Es­pe­remos que o faça no Dia Mun­dial da In­dig­nação, se o houver.




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