Em diagonal
Não sei se por ingenuidade se por imprudência têm vindo a público «explicações» para casos sérios que não lembram ao diabo. Vejamos dois exemplos: a propósito da misteriosa caixa de munições que apareceu «a mais» na recuperação do armamento roubado de Tancos, o chefe do Estado-Maior do Exército afirmou que é «perfeitamente compreensível» essa «ligeira discrepância» porque o material em causa era utilizado na instrução, podendo ter sido registada a sua saída e não ter sido consumido por várias razões, regressando ao paiol. «Se chove, a instrução pode ser interrompida e os rebentamentos podem não ser executados. (…) É material volante que saiu, uma caixa, não é tanto assim», disse, sem se deter nas implicações de não haver registo de entrada do não consumido. E se o que levou sumiço fosse «tanto», como seria?
Outro caso é o da juíza Maria Luísa Abrantes, co-relatora do polémico acórdão do Tribunal da Relação do Porto assinado por Neto de Moura com inadmissíveis críticas a uma vítima de violência doméstica, que segundo fontes do semanário Expresso terá lido o texto apenas «na diagonal». À enviesada leitura da juíza terão escapado frases como o «adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem»; «sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte»; «ainda não há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse». Segundo a mesma fonte, a juíza justifica-se com a confiança que depositava em Neto Moura, pelo que não leu todo o acórdão antes de o subscrever.
Num caso como noutro os protagonistas exercem funções da maior responsabilidade na sociedade: garantir a segurança e aplicar a Justiça. Louvando-se a confiança que ambos aparentam depositar no próximo, parece que não será exigir muito que cumpram o seu dever com menos diagonais e mais verticalidade.