Comentário

O fim das quotas do açúcar

Miguel Viegas

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No pas­sado dia 30 de Se­tembro aca­baram as quotas do açúcar, aquele que era o úl­timo re­gime de quotas agrí­colas ainda em vigor na União Eu­ro­peia. A de­cisão de pôr agora termo às quotas de açúcar re­sulta da re­forma de 2013 da po­lí­tica agrí­cola comum (PAC) que teve início em 2006 e que in­clui, entre ou­tras mal­fei­to­rias o fim das quotas lei­teiras e dos di­reitos de plantio da vinha. Pau­la­ti­na­mente, e con­tando sempre com o be­ne­plá­cito apoio dos nossos su­ces­sivos go­vernos, fossem eles do PS ou do PSD com ou sem o apoio do CDS, as su­ces­sivas re­vi­sões da PAC aca­baram por des­man­telar todos os ins­tru­mentos pú­blicos de re­gu­lação da pro­dução que ga­ran­tiam a cada país o di­reito a pro­duzir e dentro de certos li­mites al­guma so­be­rania ali­mentar.

O fim das quotas de açúcar acaba por ter um sig­ni­fi­cado po­lí­tico que marca o fim de uma vi­ragem em di­reção à com­pleta li­be­ra­li­zação da oferta que passa agora a reger-se única e ex­clu­si­va­mente através da lei do mer­cado. Mas como a re­a­li­dade de­monstra, o tal mer­cado que a União Eu­ro­peia apregoa não passa de um me­ca­nismo des­ti­nado a con­cen­trar a pro­dução nos países mais ricos cri­ando laços de pura de­pen­dência e vas­sa­lagem com os países mais po­bres.

Dirão al­guns que o fim das quotas do açúcar pouco afeta Por­tugal uma vez que a pro­dução de be­ter­raba açu­ca­reira pra­ti­ca­mente não existe.1 Para estes é bom re­cordar que, se hoje não há pro­dução de be­ter­raba, isto se deve aos nossos su­ces­sivos go­vernos e às po­lí­ticas da União Eu­ro­peia. Proi­bida du­rante a di­ta­dura fas­cista para pro­teger a eco­nomia das co­ló­nias, a pro­dução de be­ter­raba sa­ca­rina, ini­ciada após o 25 de Abril, chegou a atingir grande im­por­tância no vale do Sor­raia, com pro­du­ti­vi­dades acima da média eu­ro­peia. Con­tudo, graças às ne­go­ci­a­ções bri­lhantes dos nossos mi­nis­tros da Agri­cul­tura (na al­tura Jaime Silva do go­verno PS) a quota de be­ter­raba foi re­du­zida pri­meiro para 34 mil to­ne­ladas em 2006 e de­pois 15 mil em 2008, in­vi­a­bi­li­zando uma uni­dade in­dus­trial (a DAI) que tinha cus­tado 80 mi­lhões de euros, in­cluindo 50 mi­lhões de ajudas pú­blicas e ar­rui­nando cerca de 1000 pro­du­tores. Assim acabou o que po­deria ter sido, não fosse a “ajuda” da União Eu­ro­peia, um ver­da­deiro pro­jecto de de­sen­vol­vi­mento agrí­cola para o país, re­for­çando a nossa pro­dução, re­e­qui­li­brando a nossa ba­lança co­mer­cial e o nosso en­di­vi­da­mento ex­terno.

Uma úl­tima nota para que não se pense que a culpa é só da União Eu­ro­peia. O novo re­gime da PAC apli­cado à pro­dução de be­ter­raba sa­ca­rina abre a pos­si­bi­li­dade dos es­tados atri­buírem ajudas li­gadas à pro­dução. Onze es­tados mem­bros to­maram esta opção (entre os quais Itália e Es­panha). Por­tugal possui imensas opor­tu­ni­dades de am­pliar áreas de re­gadio (Al­queva, Vale do Vouga etc.) que podem dar vi­a­bi­li­dade ao cul­tivo da be­ter­raba. Falta agora dar mais força ao PCP para uma Po­lí­tica Pa­trió­tica de Es­querda que ponha Por­tugal a pro­duzir!

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1A pro­dução de açúcar em Por­tugal é feita a partir de duas re­fi­na­rias que im­portam cana-de-açúcar. A única fá­brica des­ti­nada à trans­for­mação de be­ter­raba sa­ca­rina situa-se nos Açores. Está pra­ti­ca­mente pa­rada por falta de po­lí­ticas ade­quadas.




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