Quando a ideologia arrasa a realidade
No momento em que estas palavras estão a ser escritas não se conhece ainda a intervenção de Cavaco Silva na dita universidade de Verão que o PSD organiza em Castelo de Vide. Sabe-se que se intitulará «Os jovens e a política: quando a realidade tira o tapete à ideologia» pelo que não será preciso ser-se bruxo para antever o aparecimento, mais ou menos dissimulado, da velha tese de que uma coisa são os ideais, os sonhos e utopias que a juventude abraça, outra, distinta, é a realidade pura e dura que convoca o dito pragmatismo de quem tem de decidir.
Mas não foi a realidade que obrigou Cavaco a promover os baixos salários e a precariedade que atingem particularmente a juventude, ou a introduzir as propinas no Ensino Superior ou a entregar empresas estratégicas a muitos dos seus amigos mais próximos, alguns caídos em posterior desgraça como Dias Loureiro ou Ricardo Salgado. Nem tão pouco foi a realidade que «obrigou» Cavaco a ser coveiro da agricultura, das pescas ou da indústria nacional, em nome da chamada integração europeia. E muito menos terá sido a realidade a determinar o seu indefectível apoio ao último governo PSD/CDS, que «convidou» quase meio milhão de jovens a abandonar o País, e que, apesar de derrotado e moribundo, teve nele o seu mais fiel defensor.
Cavaco terá pela frente uma plateia de jovens da JSD, embevecidos com o currículo do cavalheiro e ávidos de ouvir a lição do senhor professor. Mas mesmo sabendo que não esteve só nas suas decisões (pois a política de direita tem tido muitos e variados protagonistas), Cavaco teria muito, mas mesmo muito para explicar a várias gerações de jovens portugueses, como é que em cada momento dos seus dois anos como ministro das Finanças, dez como primeiro-ministro e outros tantos como Presidente da República, interveio na realidade a partir da ideologia que abraçou e dos interesses que sempre serviu com admirável distinção e para mal do povo português.