Não nasce

Henrique Custódio

Sob o pretexto das autárquicas, Passos Coelho tem andado por aí a dizer coisas.

Em Arronches, retomou as «falhas clamorosas do Estado» nos incêndios (um prato constante no actual cardápio), seguindo-se-lhe uma nova frase enigmática – o que se está a tornar um hábito.

«Estamos em vésperas de discutir o novo Orçamento do Estado para 2018», disse ele, «e as preocupações dos partidos que apoiam o Governo são as mesmas», acrescentando que «não há nenhuma preocupação que transcenda este dia a dia».

Portanto, no entendimento de Passos Coelho, o problema do País são «as preocupações dos partidos que apoiam o Governo» serem «as mesmas» (o que é estranhíssimo, num País com tantos problemas socioeconómicos agravados pelo governo PSD/CDS), somando-lhe a acusação de não haver «nenhuma preocupação que transcenda este dia a dia». Infelizmente, o ex-chanceler no exílio não apontou nem uma, dessas «preocupações transcendentes» – o que é outro hábito, já consolidado em Passos: uma total ausência de explicações ou exemplos concretos a fundamentar os discursos.

Deambulando pelo Vale do Sousa, foi questionado sobre o relatório da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) avaliando o comportamento da Altice em relação aos trabalhadores da PT e Passos Coelho saiu-se com esta pérola: «O relatório da ACT vem dizer que analisou caso a caso todas as situações e que não encontrou nenhuma situação que merecesse qualquer reparo público».

A realidade (com quem Passos cortou relações) mostra o relatório da ACT a apontar «apenas» mais de 100 violações por parte da empresa Altice (com assédios e coacções morais reiterados, entre outras violações), que resultam em coimas que vão de um mínimo de 1,5 milhões de euros a 4,8 milhões de euros. Se isto não merece «qualquer reparo público», há-de concluir-se que Passos é que não merece qualquer credibilidade pública, por muito que as televisões o ponham na ribalta.

Uma nota curiosa, nesta verborreia pausada de Passos Coelho: às tantas, viu-se forçado a admitir que o Governo «há-de ter feito algo bem», quando comentava os «bons números da economia» que «agradam a qualquer pessoa» mas... inevitavelmente, «resultam das reformas que foram feitas no meu governo e da boa conjuntura internacional». Não há dúvida, o homem é irreformável, por mais que mude o discurso, continuando a chamar «reformas» aos brutais cortes e impostos que impôs ao País.

Neste «périplo eleitoral» Passos acrescentou mais algumas patacoadas, cada uma mais irrelevante do que a anterior, exibindo declarações tão ribombantes como insolventes de qualquer massa substantiva. Preso no seu labirinto, o homem sonha, mas «a obra» do regresso ao poder não nasce, até porque já foi liquidada eleitoralmente.




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