O vírus
Tal como há muito estava previsto e anunciado, realizaram-se eleições gerais em Angola e, como também era previsível, o MPLA venceu-as com perto de dois terços dos votos apurados. Não surpreende que tenha sido assim: tanto quanto nos é possível saber e compreender a tantos milhares de quilómetros de distância e através do bombardeamento mediático a que as relações Portugal/Angola estão quotidianamente sujeitas, a generalidade do povo angolano continua a identificar o MPLA com a luta pela conquista da independência e o chamado «segundo partido» de Angola, a UNITA, com os terríveis anos da guerra civil, se não também com a já averiguada e documentada colaboração com a repressão portuguesa durante a guerra pela independência. O resultado eleitoral era, pois, previsível, mas essa circunstância não desmobilizou boa parte da comunicação social portuguesa, televisão incluída ainda que umas operadoras mais ostensivamente do que outras, que se aplicou a intensificar a propaganda anti-MPLA, e em consequência anti-República de Angola, que é sua actividade permanente. Muitas vezes a pretexto de uma suposta atenção a questões ditas de direitos humanos, como se por esse mundo fora não pudéssemos encontrar dezenas de outros países em que os direitos humanos são diariamente ignorados, até no quadro das nossas sempre reafirmadas alianças e amizades, sem que aparentemente os lusos media com isso se incomodem.
Na direita e não só
O caso, como claramente se vê desde que se queira ver, é que remanesce em camadas da actual sociedade portuguesa, em relação a Angola, um enganoso sentimento de autoridade e tutoria que nada justifica. Dir-se-ia que se mantém vivo e actuante uma espécie de vírus, o vírus do colonialismo, indiferente às décadas decorridas desde a vitória do povo angolano (e conjuntamente, não o esqueçamos, do povo português) sobre a obstinação colonial-fascista que tantas jovens vidas portuguesas cobrou num crime histórico que não tem sido adequadamente lembrado. Da sobrevivência desse vírus, alojado em sectores da direita política mas a que estranhamente por vezes se associa um ou outro sector que se quer de esquerda, decorre a permanente tentação de iniciativas hostis a Angola e ao MPLA, de facto tendencial ou francamente favoráveis à UNITA e sofregamente aproveitadoras de erros de vária dimensão cometidos pelo governo angolano. Contudo, é difícil esquecer que desde os tempos da guerra colonial, passando pelos da guerra civil, sempre a UNITA teve o tratamento de filhote mimado por parte do capitalismo internacional liderado, claro, pelos Estados Unidos. Isto não significa, entenda-se, que os actuais portadores do vírus do colonialismo sejam agentes da CIA ou equiparados: significa que estão objectivamente ao serviço de um amo feio, porco e mau. Quanto aos media portugueses, convirá lembrar que na sequência da descolonização acolheram um significativo número de profissionais da informação, muitos deles óptimos, alguns deles portadores do tal vírus. Não há que sobre o facto lançar recriminações. Mas, uma vez mais, compreender é preciso. E vantajoso.