Um Vietname ao pé da porta?

Correia da Fonseca

O governo da Venezuela dá sinais de não ter emenda: teima em manter-se no poder e desse modo prosseguir a tarefa de libertação nacional relativamente aos tentáculos vindos do exterior e de melhoria das condições de vida do povo venezuelano que foi a marca do trabalho de Hugo Chávez. Como bem se compreende os Estados Unidos não gostam; do México até à Patagónia aquilo é tudo seu, são eles quem manda, e bem lhes basta o incómodo representado por Cuba. Aliás, já que se fala em Cuba, calha dizer que a Venezuela tem vindo a ter o incomodativo comportamento de fornecer a Cuba, a rebelde, petróleo a preços mais favoráveis do que os do mercado corrente, e essa é mais uma acção que naturalmente desagrada aos Estados Unidos, sobretudo agora que Washington decidiu cancelar a melhoria das relações com Cuba formalizada pela visita de Obama a Havana. Por tudo isto, está a Venezuela «a ferro e fogo», como ouvimos um jornalista obviamente imparcial dizer na televisão que tão bem nos informa, sem que também tenha dito, por fundamental complemento, quem injecta em Caracas os tais «ferro e fogo» de que vemos imagens nos televisores e ainda, dado importante e sempre silenciado, quem os paga. É certo que a miragem de uma «sociedade da abundância», à imagem e semelhança da que supostamente é a norte-americana para todos os seus cidadãos, age com enorme força sobre a juventude de países de quotidiano difícil, de onde a propiciação de sementes de rebelião. Mas a germinação dessas sementes até à sua sinistra floração em agressivas contestações nas ruas não seria possível sem o adubo de generosos financiamentos em dólares, estímulo em que os Estados Unidos há muito se notabilizaram um pouco por todo o planeta.

Uma pré-declaração

Temos, pois, que os Estados Unidos não gostam desta Venezuela insubmissa, no que aliás são acompanhados pelos muitos satélites com que contam. E porque não gostam desta Venezuela, a mais grossa e peculiar voz norte-americana, a do seu presidente, fez-se ouvir ameaçando a Venezuela com o uso de «força militar», isto é, com uma qualquer forma de guerra. Convém lembrar que o aparente pretexto para a ameaça é ridículo: tratar-se-á da eleição democrática de uma Assembleia Constituinte cuja existência está admitida na Constituição da República da Venezuela (ao contrário do que foi insinuado via TV e não só). O que mais importará, porém, é notarmos o grau de imprudência que as palavras de Trump podem comportar: de facto soam como uma pré-declaração de guerra, e até surpreende que sobre o caso não tenha sido ouvida nenhuma palavra vinda do secretário-geral da ONU. Entretanto, notemos que são também, além de imprudentes, claros sintomas de ignorância e de falta de memória: dir-se-ia que o presidente dos Estados Unidos se propõe desencadear uma espécie de Vietname «ao pé da sua porta». Como se a bruteza de uma operação de guerra pudesse vencer um povo. E, neste concreto caso, como se o povo venezuelano não contasse com o apoio, a seu lado, de milhões de sul-americanos fartos das diversas formas de violência e opressão «made in USA».




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