Que lhes dói
O homem que os sábios do burgo consideravam «não perceber em que século estava», que era um «inelegível» (ou mesmo «bafiento») dirigente de «extrema-esquerda» na política britânica, arrancou a maioria absoluta a Theresa May, derrotou o Partido Conservador que ela lidera e colocou o seu Partido Trabalhista, que ele lidera, à beira de vencer as eleições e a ocupar proximamente o poder no Reino Unido.
Chama-se Jeremy Corbyn, é o vencedor indiscutível das eleições ganhas pelos conservadores e o centro das atenções em Londres e na «democracia ocidental».
Agora, o argumentário vai para as «dificuldades» de Theresa May e do Partido Conservador com a periclitante maioria conseguida com o partido de extrema-direita da Irlanda do Norte.
A ninguém, entre os comentadores do costume, ocorre analisar ou, sequer, referir o que, de concreto, Corbyn e os Trabalhistas ofereceram ao eleitorado, a ponto de 3,5 milhões de jovens votarem pela primeira vez em 20 anos, dois terços dos quais nos Trabalhistas que, entretanto, obtiveram 13 milhões de votos, superando as maiorias obtidas por Tony Blair da «terceira via» em 2001 e 2005 – a última vez que os trabalhistas estiveram no poder.
E o que ofereceu Corbyn aos ingleses, na campanha eleitoral?
Coisas simples e claras como taxar as grandes fortunas, subir o IRC de 19 para 26 por cento ou renacionalizar os caminhos-de-ferro, os correios e a água, a par de outras medidas igualmente poderosas como o reinvestimento no Serviço Nacional de Saúde ou significativas, como acabar com as propinas nas universidades públicas, sem falar da denúncia que fez de a intervenção militar do Ocidente no Médio Oriente ser uma das causas óbvias para o terrorismo jihadista.
É um bom ponto de partida e, como se viu, estas propostas mobilizaram o eleitorado a regressar às urnas e votar em quem lhes propunha uma alternativa concreta, visando enfrentar os principais problemas socioeconómicos com que o povo britânico se tem debatido, desde que Tony Blair e, de seguida, os conservadores prosseguiram e aprofundaram a ofensiva contra os direitos e interesses dos trabalhadores e do povo inglês, ofensiva essa protagonizada por Margaret Thatcher, nos anos 90.
Foram estas propostas de Corbyn e do Partido Trabalhista que a quase generalidade dos crânios que debitam sapiências na comunicação social decidiram identificar como vindo de quem «está encerrado no século XX», ser «um marxista desenfreado» ou um «perigoso esquerdista».
Esquecem – decerto deliberadamente e por conveniência – que os eleitorados são um bocado como os povos, mesmo em democracias burguesas: se estão excessivamente massacrados pela exploração capitalista, seguem quem lhes propõe alternativas concretas contra essa exploração.
É isso que lhes dói e, portanto, fingem ignorá-lo.