Eleições e terror

Jorge Cadima

Não vale a pena ter ilusões sobre até onde Corbyn pode chegar

A crise sistémica do capitalismo gera cada vez mais ondas de choque, fazendo estalar contradições e confrontos abertos entre sectores do grande capital, mesmo se os reais motivos dessas clivagens permanecem na sombra. A guerra fratricida alastra no seio dos EUA, entre os dois lados do Atlântico, no seio da UE e das suas principais potências, entre potências em ascensão e em declínio, e agora também entre as petromonarquias do Golfo, serventuárias do imperialismo.

As eleições britânicas, tal como o referendo do Brexit, são expressões dessa crise política crescente. Os escribas do sistema (de direita e de 'esquerda'), furibundos com o resultado do referendo de 2016, fingiram não ver a explosão de descontentamento social.

Referendo e eleições exprimiram o descontentamento do povo britânico – uma das primeiras vítimas da ofensiva 'neoliberal' das últimas quatro décadas – com as políticas de empobrecimento da grande maioria e obsceno enriquecimento duma pequena minoria, inseparáveis das políticas de guerra e terrorismo no plano mundial. Não vale tentar agora pintar este voto como um apoio à permanência na UE. Além do mais, a UE do grande capital foi, é e será um dos principais motores das políticas de classe que os eleitores britânicos contestam nas urnas. Corbyn teve o mérito de perceber as motivações de classe por detrás do voto no Brexit (que não põe em causa), e de centrar a sua campanha nas questões sociais e laborais. Ao fazê-lo, conseguiu recuperar boa parte do eleitorado descontente que havia deixado de votar num Partido Trabalhista indistinguível dos Conservadores. Soube recuperar abstencionistas e esvaziar a extrema-direita. É uma lição de significado geral.

Não vale a pena ter ilusões sobre até onde Corbyn pode chegar. A sua integridade pessoal irá esbarrar contra um Trabalhismo corroído pelo Blairismo – e desde há muitas décadas suporte do imperialismo britânico. Os últimos meses já evidenciaram os repetidos recuos a que foi forçado. Mas o ataque contra Corbyn é feroz. Há um ano, o jornal Mail on Sunday (26.6.16) publicou em primeira página uma foto de Corbyn num caixão, vestido à Drácula, com a manchete: «o Labour tem de matar o vampiro». Esse apelo à violência revela um receio profundo: o de que, no actual contexto de crise, a dinâmica que Corbyn ajuda a pôr em marcha possa gerar uma rápida politização dos trabalhadores e povo britânico, que se vire contra a política do grande capital.

Apesar dos comentários dos escribas, é também a política de guerra e terrorismo que esteve em causa nas eleições. A campanha eleitoral foi manchada pelo sangue dos atentados de Manchester e Londres. Que têm um elemento comum a outros actos terroristas: os alegados autores são gente ligada aos serviços secretos imperialistas e às guerras promovidas pelo imperialismo na Líbia, na Síria, no Afeganistão e outras paragens. Manchester é uma pequena amostra daquilo que o imperialismo promove, financia e arma todos os dias, para submeter os povos do mundo e vergar quem se atravesse no seu caminho. Theresa May ameaçou «alterar a legislação de direitos humanos» para «combater o terrorismo» (BBC, 7.6.17). Mais do que cinismo, é um alerta sobre o perigo real, para os trabalhadores e os povos do centro imperialista, de que o terrorismo ao serviço do imperialismo seja usado para instaurar o autoritarismo. É o que Macron já anunciou que irá fazer em França, transformando o estado de emergência em legislação corrente (France 24, 9.6.17).




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