Erráticas hesitações

Rui Fernandes

O PCP apresentou o seu projecto para responder a problemas

LUSA

Image 22850


O mínimo que se pode pedir a uma escultura é que ela não se mexa.
Salvador Dalí

A aprovação do Estatuto dos Militares pelo governo PSD/CDS-PP ocorreu por entre muita contestação por parte das associações sócio-profissionais. Desde logo, o Grupo Parlamentar do PCP tomou a iniciativa de o chamar a ractificação pela Assembleia da República. Não tendo havido tempo útil para consumar essa iniciativa naquela ocasião, foi apresentado um projecto de lei de alterações ao EMFAR que foi a debate no passado dia 9 de Maio. Um projecto que não contemplava todas as alterações que no entender do PCP se impõem, mas que centrado em quatro ou cinco aspectos visava abrir o processo, na certeza de que a posterior audição das associações respectivas e os contributos de outros grupos parlamentares propiciariam uma discussão e ponderação mais global, corrigindo os entorses de que ele padece.

A primeira referência que se ouviu do ministro da Defesa acerca do EMFAR foi a de que não via oportunidade para mexer no Estatuto dado que o mesmo «estava a assentar», ou seja, seria de deixar passar mais tempo para ser apurado melhor o que mexer. Acontece que foi o próprio MDN que tomou iniciativas de desenvolvimento do constante no EMFAR. Isto é, uma coisa seria, dentro do espírito enunciado, não mexer até melhor apuramento. Outra coisa é tomá-lo como bom e desenvolvê-lo. Desenvolver uma coisa tendo como premissa uma má base só pode resultar mal. Mas tal raciocínio do MDN continha e contém ainda o pecado original de pretender estender no tempo um enquadramento lesivo para a vida dos militares, lesões essas que nunca serão sujeitas a correcção.

Passado um ano o MDN mantém-se na mesma, ou seja, mal, e a intervenção do PS no debate parlamentar seguiu-lhe os passos. Da parte do PSD assistiu-se a uma verdadeira verborreia mistificatória. Num debate sobre o EMFAR falaram de tudo menos do EMFAR. É obra! Mais, acusaram falsamente o PCP de não suscitar aspectos sobre a situação nas Forças Armadas quando, isso sim, da parte do PSD reina o silêncio do velho centrão cúmplice. O CDS-PP, padecendo, como se sabe, do facto de terem sido parte do governo com o PSD, propôs que o PCP apresentasse um requerimento para que o projecto pudesse baixar à comissão sem votação. Se o PCP quisesse o mero objectivo de marcar a sua posição, como alguns mentalmente toldados teimam em afirmar, teria ignorado a proposta do CDS-PP e cada um que assumisse as suas responsabilidades. Mas não! O PCP apresentou o seu projecto para responder a problemas que afectam pessoas e é a procura da resposta a esses problemas o centro das suas preocupações, por isso, a resposta do PCP foi Sim! Até porque processos amplamente participados têm história na Assembleia da República por via do funcionamento da Comissão de Defesa, seja com a discussão promovida, há muitos anos, com o EMFAR inicial, com a LBGECM, com as alterações à LSM, etc. Porquê tanta hesitação? Enfim, o facto é que o EMFAR vai ser analisado e foi aberta a possibilidade de o melhorar.

Encortiçou

Esta inação por parte do MDN estende-se a outras matérias e, paralelamente, assiste-se a muita propaganda, uma verdadeira competição, com origem nos próprios Ramos (e nas forças de segurança não é diferente) a propósito de tudo e de nada, alguma dela com mistificações pelo meio e procurando meter pela claraboia o que não entra pela porta (aliás, seguindo a técnica do ministro que no próprio dia do debate fez a fuga para a comunicação social de que o Ministério estava a estudar o EMFAR, procurando desse modo sinalizar que o projecto do PCP devia ser chumbado). Anunciar o «patrulhamento» por fuzileiros nas praias a propósito do número de afogamentos ocorrido, é um exemplo. Que militares colaborem com as entidades competentes é uma coisa, definindo qual o seu papel. Outra coisa é pôr militares (uma notícia até dizia que andariam, pasme-se, vestidos com outra roupa) a fazer o que legalmente não devem. Escusado será dizer que temos o maior apreço pelos militares, pelos bombeiros, pela polícia, pelos nadadores-salvadores, etc., etc. E é exactamente por isso que todos têm a ganhar com as coisas claras, com as responsabilidades definidas e clarificadas e com o respeito pelos enquadramentos legais e competências de cada um. As dinâmicas de abocanhamento expressas ou encapotadas, as insistências em meter tudo num saco à disposição dos objectivos e intenções de cada um em cada momento, pode soar como música à generalidade dos ouvidos, mas não é bom para a saúde do regime democrático. A questão está em que quem deve remete-se ao silêncio ou como diria um velho amigo «encortiçou».

Dirão alguns que isto não tem nada de novo. Pela nossa parte dizemos que práticas que aparentemente nada têm de novo terão sempre como novo o contexto em que se processam e esse contexto dar-lhe-à sempre elementos de qualidade diferenciados.

 



Mais artigos de: Argumentos

A segunda aposta

A avaliar pelo que se ouve e vê nos nossos televisores, a direita expulsa do governo pela insuficiência dos resultados que conseguiu nas eleições de Outubro de 2005 abrandou a intensidade da sua «estratégia da intriga» que, visando potenciar as diferenças existentes...

Cumprir os Direitos das Crianças

LUSA Em Portugal, foi a Revolução de Abril e a consagração dos seus valores na Constituição da República que garantiram direitos fundamentais às crianças – o artigo 69.º determina que «As crianças têm...