Os Trumps
Silêncios de chumbo e cumplicidades da União Europeia
Como o PCP previu, as medidas encontradas pelo grande capital e pelas principais potências imperialistas para tentar fazer face – do seu ponto de vista de classe – à crise económica do capitalismo, ao aprofundamento das contradições do sistema e ao profundo e complexo processo de rearrumação de forças no plano mundial, foram elas próprias sementes de novas crises.
É nesse contexto que se deve analisar alguns dos mais recentes desenvolvimentos no plano político e geoestratégico. Alguns deles não são novos. É o caso da acentuação da vertente militarista e de guerra das principais potências imperialistas; da linha de crescente confrontação contra potências emergentes; e dos processos de concentração de poder económico e político e de ataque à soberania dos estados. Simultaneamente, a crise e a própria ofensiva imperialista acirra rivalidades e disputas quer entre sectores do grande capital (com expressões nos planos nacional e internacional) quer entre potências ou pólos imperialistas.
As rivalidades no seio das classes dominantes e das potências ao seu serviço são intrínsecas à natureza do sistema capitalista, e sempre existiram no quadro do binómio concertação/rivalidade inter-imperialista. Contudo, no actual contexto, a variável das rivalidades adquire uma dimensão e expressão muito mais acentuadas. É à luz desta realidade que se deve ler os recentes acontecimentos nos EUA e na Europa e as suas repercussões na rearrumação de forças em curso no plano mundial.
Já nestas páginas expressámos a opinião de que a eleição de Donald Trump é ela própria uma expressão, e uma resposta de carácter profundamente reaccionário, a estas crescentes contradições, rivalidades e disputas. Contudo, e sem minimizar justas preocupações, é necessário sublinhar três notas sobre o «sobressalto» anti-trump na União Europeia.
A primeira é que os dirigentes que na União Europeia se levantam contra a desumana política de Trump relativa aos refugiados e imigrantes são os mesmos que pouco ou nada dizem sobre a possibilidade da Alemanha deportar 100 000 refugiados (RTP/10 Fev), sobre o anúncio da Hungria de tencionar prender os refugiados em campos de contentores na fronteira (Expresso/10 Fev), ou ainda sobre terem morrido 10 refugiados e migrantes por dia no Mediterrâneo nos dois primeiros meses do ano (TVI 24/12 Fev).
A segunda é que a «humanista» indignação contra Trump e a sua política externa contrasta com os silêncios de chumbo e cumplicidades da União Europeia, e dos seus governos, perante inúmeros crimes que estão todos os dias a acontecer, como aqueles contra o povo da Palestina e a criminosa guerra de agressão no Iémen, apenas a título de exemplo.
A terceira é que como bem demonstrou a discussão sobre o futuro da UE desta semana no Parlamento Europeu, o que move os seus apoiantes a acenarem com «perigos externos» (em que incluem Trump) não é um qualquer rebate de consciência sobre a velha aliança imperialista transatlântica. É antes a intenção de, no quadro da disputa e rivalidade, afirmar ainda mais a União Europeia como uma «poderosa entidade económica e política», uma União Europeia mais militarizada e com uma deriva securitária mais acentuada que, no plano económico, vá mais longe no reforço dos seus instrumentos de domínio económico – nomeadamente o euro. Estas afirmações não foram proferidas pela extrema-direita, foram feitas por deputados do Partido Socialista Europeu. E são exactamente estas fugas em frente e esta punção imperialista que estão na origem de Trump e de tantos outros «Trumps» deste Mundo.