Cimeira do Sul orientada a Norte
Realizou-se no passado sábado, em Lisboa, a segunda Cimeira dos Países do Sul da União Europeia, que reuniu os Chefes de Estado e de governo de Chipre, França, Grécia, Itália, Malta, Portugal e Espanha. Os seus resultados são muito pouco originais. No essencial repetem as mesmas conclusões da cimeira que a precedeu em Atenas, em Setembro passado. Uma iniciativa que mais não fez senão reafirmar os três pilares através dos quais a UE tenta ultrapassar as suas sucessivas crises e que são a sua matriz ideológica: o neoliberalismo, o militarismo (a que se junta a deriva securitária), e o federalismo.
A Declaração de Lisboa, reafirma esses três eixos.
O eixo económico onde se defende: o aprofundamento do Mercado Único, em particular nas vertentes do Digital, da União da Energia e da União dos Mercados de Capital, na prática o prosseguimento do caminho de liberalização, concentração e acumulação capitalista e de desmantelamento dos mecanismos de regulação soberana da economia dos estados; o aprofundamento da União Económica e Monetária, com os seus instrumentos como o Semestre Europeu e a defesa do euro, com a perda de soberania monetária e orçamental e os constrangimentos para o desenvolvimento do País que daí resultam; a conclusão da União Bancária até meados de 2017, ou seja, a criação do Sistema de Garantia de Depósitos, reforçando ainda mais as competências do BCE, por esvaziamento de competências dos bancos centrais nacionais; o caminho para a harmonização das políticas fiscais na UE, em benefício do euro; o reforço do Plano Juncker, acima de tudo um sistema de garantias públicas, ao estilo das parcerias público-privadas, em que se privilegia a rentabilidade económico-financeira dos grandes grupos económicos em detrimento do desenvolvimento ao serviço dos povos; e, por último, o desenvolvimento de uma «robusta política comercial», entenda-se o aprofundamento da liberalização do comércio.
O eixo militarista e securitário: com a afirmação da UE como o pilar europeu da NATO; a defesa nas entrelinhas, da criação de um exército europeu, aumentado a capacidade de intervenção e defesa da UE, nomeadamente no Norte de África e Médio Oriente; a defesa de Schengen e a gestão e controlo das fronteiras externas, nomeadamente através da operacionalização da Agência da Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia; e claro, o chamado «combate ao terrorismo e à radicalização», por entre um silêncio ensurdecedor em torno das causas e origens destes fenómenos.
O eixo das migrações: com a defesa do criminoso Acordo UE-Turquia; o desenvolvimento de políticas ainda mais robustas de readmissão e retorno, numa clara violação do direito internacional e dos direitos humanos. Defende-se ainda a externalização de fronteiras, defendendo o Acordo UE-Líbia que está em preparação bem como o reforço da FRONTEX e dos mecanismos de «recepção» e «acolhimento». É reafirmada a revisão do Sistema Europeu Comum de Asilo, cujos elementos já conhecidos apontam para um condicionamento ainda maior do estatuto de refugiado, e numa discriminação na atribuição do estatuto em função dos países de origem e das qualificações.
Como já se disse, a Declaração de Lisboa não traz nada de novo. Pelo contrário, confirma que nestas cimeiras não se vislumbra quaisquer alternativas, e muito menos a necessária ruptura com o rumo e as políticas da UE. Apesar da fraseologia da «mudança» as conclusões desta cimeira apontam para uma indisfarçável submissão aos ditames do eixo franco-alemão, e à lógica do aprofundamento dos três pilares supracitados, abrindo-se inclusive novos caminhos na concentração de capital e poder político e económico, e no aumento da exploração e do empobrecimento. Esta cimeira e as suas conclusões confirmam o acerto da análise do PCP de que não é possível o desenvolvimento de políticas de desenvolvimento que sirvam os interesses do povo e do País, no quadro dos constrangimentos do euro e dos tratados.
À margem da cimeira, registaram-se altisonantes declarações de vários líderes políticos europeus, desde Hollande a Mogherini, indignados com as decisões da administração Trump sobre imigração e refugiados. Comportando um extremar de posições e decisões em relação a anteriores administrações, as políticas de Trump não estão, no essencial, muito distantes das políticas de migração até aqui praticadas pelos EUA.
E comparativamente às da UE, poderemos talvez dizer que Trump personifica a versão grosseira, aumentada e pouco cuidada. As da UE são mais finas no papel. A prática contudo, é fria e brutal: mais de cinco mil mortos no Mediterrâneo o ano passado; vários muros erguidos; perseguições e agressões a refugiados; autênticos campos de concentração na Grécia; milhares de refugiados retidos nas fronteiras dos países dos Balcãs, em condições degradantes e de afronta à dignidade humana, com mortes registadas nas vagas de frio; a repulsão de refugiados. É esta a «solidariedade» da UE que faz da indignação dos «líderes» europeus um exercício de hipocrisia.