Auschwitz e a História

Gustavo Carneiro

OPCP iniciou no sábado, 28, com uma sessão no Fórum Lisboa, o seu programa de comemorações do centenário da Revolução de Outubro, que se estende até ao início de Dezembro numa multiplicidade de realizações e iniciativas. A data escolhida não podia ser mais simbólica, ao aproximar-se do aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz, assinalado na véspera, 27, uma data que a Assembleia-geral da ONU proclamou em 2005 como Dia Internacional de Recordação, em memória das vítimas do Holocausto.

A sessão do passado sábado assinalou este acontecimento, em justas e oportunas referências, tanto mais importantes quando em muitos países da Europa regressam ao poder (ou dele se aproximam) forças e movimentos de extrema--direita e de cariz nazi-fascista e se intensifica a ofensiva ideológica, anticomunista e agora também anti-russa, com recurso a poderosíssimos e diversificados meios. À propaganda do grande capital, os comunistas, os progressistas e os democratas têm a opor não só a sua combatividade e determinação, mas também a História, com maiúscula e sem aspas.

E é a História que, sobre Auschwitz, inscreve um facto indesmentível, que muitos procuram obscurecer: a libertação deste que foi o maior e mais brutal dos muitos campos de extermínio do nazi-fascismo alemão foi obra do Exército Vermelho, da União Soviética. E nem podia ter sido qualquer outro, visto que foram as tropas soviéticas que varreram a Europa Oriental e Central do domínio nazi-fascista, das estepes russas e do Cáucaso à capital do Reich alemão. Quando, em Maio de 1945, forçou em Berlim a capitulação final das tropas hitlerianas, já o Exército Vermelho libertara 113 milhões de cidadãos de países da Europa.

É igualmente a História que regista o facto de terem sido soviéticas cerca de metade das 50 milhões de vítimas mortais da guerra, que foi na Frente Leste que os nazi-fascistas sofreram as primeiras e mais pesadas derrotas e que aí também se deram as batalhas decisivas, que viraram o curso da contenda, particularmente em Moscovo, Leninegrado, Stalinegrado e Kursk. Foi também a Leste, às mãos da União Soviética, que os nazi-fascistas perderam 80 por cento das suas tropas e que foram capturadas e derrotadas 607 das suas divisões, o que corresponde a mais do triplo das que foram vencidas nas frentes do Norte de África, Itália e Europa Ocidental, todas juntas.

Fábrica de morte

Quando os militares soviéticos chegaram ao campo de Auschwitz encontravam-se no seu interior entre sete a oito mil presos, em dramáticas condições de sobrevivência. Para muitos outros, a libertação chegou tarde de mais: no final de 1944, perante o imparável avanço das forças soviéticas e a proximidade da mais que certa derrota, as autoridades nazi-fascistas ordenaram o extermínio de milhares de presos ou a sua evacuação para outros campos. Neste período, na «fábrica da morte» – como ficou conhecido o campo – chegaram a ser assassinadas seis mil pessoas por dia e nas longas caminhadas, sob o rigoroso Inverno, foram também muitos os que morreram. De cansaço, de frio e de fome, uns; abatidos a tiro, outros.

O complexo concentracionário de Auschwitz começou a ser construído em 1940, às ordem do chefe das SS, Heinrich Himmler, e foi ampliado por diversas vezes. Entre os vários campos que existiam nesse complexo instalado no Sul da Polónia contava-se o campo de extermínio Auschwitz II-Birkenau e Auschwitz III-Monowitz, usado para trabalho escravo. Em Auschwitz foram assassinadas um milhão e 300 mil pessoas: executadas nas câmaras de gás (e posteriormente pulverizadas nos fornos crematórios), vítimas de maus tratos ou doenças infecciosas, exaustas nos trabalhos forçados ou martirizadas quando serviam de cobaias em experiências «médicas».

Desde que chegaram ao poder na Alemanha, em 1933, e à medida que iam estendendo o seu domínio de terror a outros países europeus, os nazi-fascistas ergueram uma vasta rede de campos de concentração, destinados à prisão e extermínio de opositores políticos (sobretudo comunistas e sindicalistas) e povos não germânicos (eslavos, judeus, ciganos), mas também aos trabalhos forçados: Maidanek, Treblinka, Babi Yar, Dachau, Mathausen, Bergen-Belsen e Buchenwald eram apenas alguns deles.

Crimes por julgar

Não é só a identidade dos libertadores que a história «oficial» pretende que seja apagada quando o assunto é Auschwitz ou, de modo mais geral, o nazi--fascismo. Também a íntima relação de Hitler e dos seus seguidores aos grandes monopólios alemães é tema ausente da generalidade da bibliografia e programação televisiva sobre o tema. Mas essa ligação não foi, por isso, menos efectiva e Auschwitz é também um significativo exemplo disso mesmo: nesse como noutros campos, «tudo era financiado pelo Deutsche Bank, cuja direcção se encontrava representada na IG FarbeBayer, empresa beneficiária do trabalho escravo e fornecedora do Zyklon B, o gás da morte com que os prisioneiros considerados inaptos para trabalhar eram asfixiados» (Rui Paz, Avante! n.º 1941).

Sob o regime hitleriano, o Deutsche Bank prosperou, e não foi o único. Também a Siemens, a Krupp, a Alianz, a Opel, a BMW ou a VolksWagen beneficiaram, e muito, da brutal ditadura de Hitler, da ampliação do seu espaço vital através da ocupação e da guerra e do trabalho escravo nos campos de concentração. O grande capital recolhia assim os frutos de ter favorecido e preparado o assalto ao poder do Partido Nacional-Socialista, de Hitler, com o seu programa militarista, xenófobo, expansionista, antidemocrático e anticomunista. Este crime permanece por julgar.

O fascismo não é fruto do acaso nem tem origem na mente de loucos. É, sim, como revelaram em 1935 Dimitrov e a Internacional Comunista e a História se encarregou de comprovar, a ditadura terrorista dos elementos «mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro». E continua a sê-lo.

 



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