A resposta de Vladimir
Houve aquela coisa mal explicada da intervenção informática russa nas eleições presidenciais norte-americanas. Ou até de todo não explicada. De qualquer modo, o caso é que fontes norte-americanas, oficiais ou oficiosas, afirmaram que os russos, esses incuravelmente maus e metediços, utilizaram meios informáticos para prejudicar a candidatura da Hillary Clinton, coitada. Perante a condenável ingerência, o ainda presidente Obama empertigou-se, resolveu mostrar que com as eleições norte-americanas não se brinca e retaliou: adoptou uma medida que está no cardápio das relações diplomáticas entre estados quando tais relações azedam e decidiu expulsar um punhadão de diplomatas russos, isto é, de funcionários da representação diplomática russa, embora não do embaixador. O habitual em situações idênticas é que o Estado cujos diplomatas foram expulsos responda com medida idêntica e simétrica, isto é, que por sua vez recambie à procedência igual número de diplomatas do país que tenha accionado a expulsão anterior. Não é nada de muito grave, acentue-se, é apenas uma prática tradicional a que recorre um Estado que se ache ofendido para exibir perante o mundo em geral a sua inconformidade perante a ofensa. Afinal, não será muito mais do que um processo convencional de veemente protesto, mas implica a tácita mensagem de que o relacionamento entre os dois estados envolvidos não está muito bem de saúde. Neste sentido, é um aviso público de que as coisas ainda poderão piorar, e com sorte tudo ficará por aí. Escusado será acrescentar que os media euroatlânticos, suas filiais e anexos com óbvio destaque para a TV, noticiaram com compreensível deleite este episódio que ilustrava um certo, ainda que ligeiro, grau de degradação nas relações entre os dois protagonistas da passada Guerra Fria e da por alguns desejada Guerra Fria do futuro próximo.
Um sinal de vigília
Ora, perante a expulsão ordenada por Obama, aguardava-se que o processo continuasse a decorrer como é costume. Mas não: em desobediência aos costumes generalizados e aos adivinháveis desejos de alguns, Vladimir Putin fez saber que não iria expulsar ninguém, que preferia esperar para ver como é que as tais relações entre os Estados Unidos e a Rússia irão decorrer no futuro praticamente imediato, isto é, quando o eleito Donald Trump substituir Barack Obama. A reacção surpreendeu muita gente e terá desapontado alguma, mas é bom que se reconheça não ter sido uma resposta sem qualquer significado. Talvez em primeiro lugar, entenda-se que foi uma peculiar resposta, um pouco aquilo que por cá se poderia designar por «bofetada com luva branca»: ao recusar-se ao jogo tradicional de «ora agora expulsas tu, ora agora expulso eu», Putin disse aos Estados Unidos e ao mundo em geral que rejeita o clima tendencialmente agressivo entre os dois estados, potencial prelúdio ao regresso da Guerra Fria e dos perigos de aquecimento que ela implica e que abrange o regresso do perigo supremo, o de um conflito nuclear. Usando palavras simples, digamos que a resposta do presidente russo pode ser entendida como a advertência de que com coisas sérias não se brinca, e esta leitura é importante para todos, portugueses incluídos. Há ainda, decerto entre muitas outras, uma outra maneira de «ler» a resposta russa: a de que Putin estará convencido, com razão ou sem ela, de que a vitória eleitoral de Trump, sendo quase certamente um mau acontecimento para milhões de norte-americanos (afro-americanos, imigrantes latinos, doentes, trabalhadores pouco qualificados), não o é para o mundo em geral que poderia ter ficado exposto à agressividade geniosa da ex-secretária de Estado Hillary Clinton, a que votou a intervenção USA no Iraque. Dizendo-o de outro modo, digamos que Vladimir Putin deu mais um sinal de que não anda a dormir. Apesar de decerto serem muitos os que gostariam de lhe ministrar um violento narcótico.