Salários de miséria agravam pobreza e desigualdades

A luta pela dignidade do trabalho

A re­lação es­treita entre baixos sa­lá­rios, de­si­gual­dades e po­breza voltou a ser posta em evi­dência pelo PCP, que de­fende ser ur­gente «ir às causas e aos cau­sa­dores» dessa re­a­li­dade que atinge de forma dra­má­tica o País.

Re­duzir a TSU é in­cen­tivar as em­presas a re­cor­rerem ao SMN

LUSA

Image 21903


O tema foi in­tro­du­zido pelo Se­cre­tário-geral do PCP, faz hoje oito dias, no de­bate quin­zenal com o pri­meiro-mi­nistro. Em­bora seja uma chaga no te­cido so­cial que há muito per­siste, a jus­ti­ficar por isso uma atenção per­ma­nente, a questão das de­si­gual­dades e da po­breza ga­nhou re­do­brada ac­tu­a­li­dade por ser le­vada a de­bate no pre­ciso mo­mento em que na ordem do dia con­tinua a estar a ac­tu­a­li­zação do sa­lário mí­nimo na­ci­onal.

E a ver­dade é que todos os ar­gu­mentos adu­zidos por Je­ró­nimo de Sousa con­correm no sen­tido de com­provar a jus­teza da pro­posta que o PCP tem vindo a de­fender de um au­mento ex­tra­or­di­nário para 600 euros do SMN já no início de 2017.

Porque essa é a me­dida ne­ces­sária, justa e ade­quada, se se quer com­bater as de­si­gual­dades e a po­breza, sus­tentou Je­ró­nimo de Sousa, que se mos­trou muito crí­tico para com aqueles que re­sistem a uma ac­tu­a­li­zação ex­tra­or­di­nária do SMN com base no ar­gu­mento da com­pe­ti­ti­vi­dade das em­presas, que con­si­derou «não ser plau­sível».

«É o ar­gu­mento do cos­tume. Mesmo quando se sabe que os cha­mados gastos com pes­soal andam à volta dos 20 por cento dos custos de pro­dução de uma em­presa, se­gundo dados do INE de 2015», sa­li­entou o líder do PCP, que fez questão de su­bli­nhar que o poder de de­cisão sobre a ac­tu­a­li­zação do sa­lário mí­nimo é do Go­verno e que ne­nhum acordo de con­cer­tação se subs­titui a essa prer­ro­ga­tiva do Exe­cu­tivo. «Como al­guém disse, é o Go­verno que de­cide ou­vindo o con­selho de con­cer­tação So­cial e não o Con­selho de Con­cer­tação So­cial que de­cide ou­vindo o Go­verno», re­feriu.

Não à baixa da TSU

E foi ainda em tom ve­e­mente que Je­ró­nimo de Sousa ma­ni­festou a «pro­funda dis­cor­dância» do PCP re­la­ti­va­mente aos cri­té­rios, aos prazos e aos mon­tantes do sa­lário mí­nimo na­ci­onal pro­postos.

«Baixar a Taxa So­cial Única das em­presas para a Se­gu­rança So­cial sig­ni­fica pôr o Es­tado e não as em­presas a pagar parte do au­mento do sa­lário mí­nimo na­ci­onal», cri­ticou, dei­xando bem vin­cado que o PCP apoia «me­didas de in­cen­tivo às pe­quenas e mé­dias em­presas, no acesso ao cré­dito, nos custos dos fac­tores de pro­dução, mas não a baixa da taxa so­cial única».

Mais, alertou, o que esta re­dução da TSU sig­ni­fica é um «in­cen­tivo a que as em­presas re­corram cada vez mais ao sa­lário mí­nimo na­ci­onal e não à va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios».

Na res­posta, o pri­meiro-mi­nistro disse «acom­pa­nhar» Je­ró­nimo de Sousa na «pri­o­ri­dade do com­bate às de­si­gual­dades». E acres­centou que esse com­bate tem de ser feito indo às «di­fe­rentes causas» que geram as de­si­gual­dades e a po­breza entre os idosos (que au­mentou du­rante o an­te­rior go­verno), bem como a po­breza in­fantil, que também au­mentou, lem­brando ter sido essa a razão que levou o Exe­cu­tivo a au­mentar a ex­tensão até aos três anos da ma­jo­ração do abono de fa­mília.

E con­si­derou que há uma re­a­li­dade que ofende um valor fun­da­mental da dig­ni­dade, em par­ti­cular da dig­ni­dade do tra­balho, que é o facto de dez por cento das pes­soas que têm ren­di­mentos do tra­balho se en­con­trarem abaixo do li­miar da si­tu­ação de po­breza.

«É ab­so­lu­ta­mente ina­cei­tável que quem tra­balha es­teja abaixo do li­miar da po­breza», re­co­nheceu, re­fe­rindo ser isso que levou o Go­verno a «subir o SMN «subs­tan­ci­al­mente acima da­quilo que é a mera re­po­sição do poder de compra per­dido pela in­flação ou pela par­tilha dos ga­nhos de pro­du­ti­vi­dade».

E afir­mando-se de­fensor de que o SMN não seja «sim­ples­mente um ins­tru­mento de re­mu­ne­ração», mas seja também um «ins­tru­mento de com­bate às de­si­gual­dades», ad­mitiu que nessa me­dida o «es­forço possa ter de ser par­ti­lhado».

De um modo in­di­recto, sem nunca se re­ferir ex­pli­ci­ta­mente na res­posta que deu a Je­ró­nimo de Sousa à baixa da TSU, jus­ti­ficou esta ce­dência do Go­verno ao pa­tro­nato ale­gando que «não se pode ig­norar a re­a­li­dade da con­jun­tura eco­nó­mica e as di­fi­cul­dades que en­frentam muitas PME, muitas IPSS».

«Agora, há algo que não sa­cri­fi­ca­remos que é a re­dução das de­si­gual­dades por via do au­mento do SMN», as­se­verou An­tónio Costa, que disse ainda acom­pa­nhar Je­ró­nimo de Sousa no de­sejo de ace­lerar o au­mento do SMN, mas de não o poder con­cre­tizar de­vido a não haver «ob­jec­ti­va­mente con­di­ções para ser mais rá­pido do que aquilo que es­tava pre­visto no Pro­grama do Go­verno».

Con­tra­tação co­lec­tiva

 O chefe do Go­verno de­fendeu, por outro lado, que «é es­sen­cial des­blo­quear a con­tra­tação co­lec­tiva», con­cor­dando com a ideia de que de­pois de ter es­tado muitos anos con­ge­lada a sua ca­du­ci­dade «pre­ci­pitou outra forma de con­gelar a con­tra­tação co­lec­tiva».

Daí o Go­verno ter pro­posto que no pró­ximo ano e meio não ha­verá «novas ca­du­ci­dades para criar es­paço e tempo para que a ne­go­ci­ação co­lec­tiva possa fun­ci­onar», ar­gu­mentou, es­cla­re­cendo que «não é pena sus­pensa, é in­cen­tivo a todos para que se sentem à mesa, ne­go­ceiem, en­con­trem formas de des­blo­quear a con­tra­tação co­lec­tiva».

An­tónio Costa res­pondia à pre­o­cu­pação ex­pressa mo­mentos antes pelo líder co­mu­nista quanto à «pers­pec­tiva de manter a ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­lec­tiva», de­pois do anun­ciado pe­ríodo de18 meses em que não ha­verá ne­nhum con­trato ca­du­cado. «Porquê 18 meses? É uma pena sus­pensa?», in­qui­rira Je­ró­nimo de Sousa, con­victo de ser este um «mau ca­minho», uma «má opção», sen­tida de resto «até com algum pe­rigo». E Je­ró­nimo de Sousa ex­plicou porquê, ano­tando que até esse mo­mento do de­bate a grande pre­o­cu­pação re­ve­lada pelas ban­cadas do PSD e do CDS foi a de saber o que é que o Go­verno irá fazer em re­lação à le­gis­lação la­boral. Ou seja, o PSD e o CDS, «fiéis à sua na­tu­reza de classe, o que querem é con­ti­nuar a obra de des­truição do edi­fício ju­rí­dico-la­boral», con­cluiu, vendo assim fun­dadas ra­zões para saber «qual é a von­tade do Go­verno».

Des­res­peito pelas po­pu­la­ções

 Co­lo­cada por Je­ró­nimo de Sousa ao pri­meiro-mi­nistro, que já não res­pondeu por ter dei­xado es­gotar o seu tempo, foi ainda a si­tu­ação dos CTT. De­pois de ter sido ob­jecto de de­cla­ração po­lí­tica sua na AR, o PCP voltou ao tema pela voz do seu Se­cre­tário-geral para in­sistir na de­núncia do que con­si­dera ser o «nível de de­gra­dação como nunca antes de viu» do ser­viço pres­tado pelos CTT.

«Cartas e en­co­mendas que ficam dias (ou se­manas) a fio nos cen­tros de dis­tri­buição à es­pera para serem en­tre­gues. Vales pos­tais, pen­sões de re­forma que chegam com atraso de 10 dias, 15 dias ou mais. Cen­tenas de si­tu­a­ções em que a dis­tri­buição do cor­reio é sub­con­tra­tada a pri­vados ou então efec­tuada por car­teiros que tra­ba­lham para além do que seria a sua jor­nada. Filas de es­pera in­ter­mi­ná­veis em es­ta­ções onde são co­lo­cados tra­ba­lha­dores dos CTT em ou­tras áreas e ser­viços que não o cor­reio», de­ta­lhou o líder co­mu­nista, lem­brando que esta si­tu­ação que «está a in­fer­nizar as po­pu­la­ções, os utentes, os tra­ba­lha­dores dos cor­reios», ocorre de­pois de anos mar­cados pelo fecho de cen­tenas de es­ta­ções e postos de cor­reio.

Si­tu­ação esta que clas­si­ficou de «in­sus­ten­tável» e que do seu ponto de vista é fruto da pri­va­ti­zação da em­presa im­posta pelo an­te­rior go­verno PSD/​CDS.

As con­sequên­cias de tal opção, essas, estão à vista, re­alçou Je­ró­nimo de Sousa, não es­con­dendo a sua in­dig­nação por um ser­viço pú­blico como é o postal – «vital para as po­pu­la­ções, para a co­esão ter­ri­to­rial, para a eco­nomia, para a so­be­rania», frisou – estar trans­for­mado num «ne­gócio de lucro má­ximo para os grupos eco­nó­micos», como se com­prova pelos mais de 250 mi­lhões de euros de lu­cros ob­tidos em menos de quatro anos.

«É para isto que está a servir todo o sa­cri­fício?», in­quiriu por isso o líder do PCP, la­men­tando que até para aqueles (so­bre­tudo nesta época na­ta­lícia) que contam com os Cor­reios para «fazer chegar uma men­sagem, às vezes poucas pa­la­vras, mas que sig­ni­ficam tanto para um idoso iso­lado ou uma fa­mília dis­tante», até isso tenha sido «re­ti­rado a tantos por­tu­gueses».

Não re­petir o caos nas ur­gên­cias

O pro­blema das ur­gên­cias hos­pi­ta­lares, já por si sus­ci­tado no an­te­rior de­bate quin­zenal, voltou a ocupar a atenção de Je­ró­nimo de Sousa, pre­o­cu­pado que está com a pos­si­bi­li­dade de se re­pe­tirem si­tu­a­ções de caos nas ur­gên­cias hos­pi­ta­lares, idên­ticas às dos úl­timos anos.

Daí in­sistir, como pri­meira me­dida, na ne­ces­si­dade de re­tirar das ur­gên­cias uma parte sig­ni­fi­ca­tiva das cen­tenas de mi­lhares de epi­só­dios (mais de dois mi­lhões), que a elas re­correm e que, no seu en­tender, «po­diam e de­viam ser tra­tados nas uni­dades de Cui­dados Pri­má­rios de Saúde».

Para além dos tempos de es­pera – «em muitos casos muito acima dos ní­veis de se­gu­rança para os do­entes», ob­servou –, o líder co­mu­nista iden­ti­ficou ainda esse «outro pro­blema» que re­sulta da eli­mi­nação de 900 camas nos úl­timos anos. E o que a re­a­li­dade de­monstra, frisou, é que essas camas, «fazem falta, par­ti­cu­lar­mente nestes pe­ríodos, para se evitar aquele es­pec­tá­culo de­gra­dante de de­zenas de macas e camas es­pa­lhadas pelos cor­re­dores por não haver ca­pa­ci­dade de in­ter­na­mento».

As di­fi­cul­dades de formar equipas para as ur­gên­cias, não apenas por falta de pro­fis­si­o­nais mas igual­mente por estar co­lo­cado um con­junto de con­di­ci­o­na­mentos que re­sultam do corte de di­reitos e re­ga­lias du­rante o pe­ríodo do go­verno PSD/​CDS, foi outro ponto abor­dado por Je­ró­nimo de Sousa, que quis por fim saber quais as me­didas que o Go­verno tem pre­vistas, num con­texto de «tem­pe­ra­turas ex­tremas ad­versas», para evitar si­tu­a­ções de caos na res­posta às ne­ces­si­dades das pes­soas.

Me­didas, por exemplo, ao nível do re­forço dos Cui­dados Pri­má­rios, da for­mação das equipas, da aber­tura de camas, da ar­ti­cu­lação entre a Linha Saúde 24 e os ser­viços de saúde, da ar­ti­cu­lação entre as uni­dades de saúde de Saúde Pú­blica e as ins­ti­tui­ções so­ciais para acom­pa­nha­mento dos utentes/​do­entes in­ter­nados nessas uni­dades.

Já sem tempo para res­ponder, também esta questão não ob­teve es­cla­re­ci­mento do pri­meiro-mi­nistro.

 

 

 



Mais artigos de: Assembleia da República

Respeitar a vontade das populações

Uma opor­tu­ni­dade per­dida para re­solver «um pro­blema muito sen­tido pelas po­pu­la­ções de Norte a Sul do país», assim avalia o PCP o chumbo do seu pro­jecto de lei vi­sando a re­po­sição de fre­gue­sias ex­tintas pelo an­te­rior go­verno PSD/​CDS-PP.

Campanha desmascarada

Foram recentemente inviabilizados pelo Parlamento, com os votos contra do PS, PCP, PEV e BE, projectos de lei do PSD e do CDS-PP que, tendo por objecto formal uma alteração ao estatuto do gestor público, tinham verdadeiramente em mente atingir a Caixa Geral de...