Besta negra

Luís Carapinha

De­si­gual­dades atingem ní­veis iní­quos

Qual o [ver­da­deiro] es­tado da eco­nomia dos EUA? A questão não é pro­pri­a­mente de so­menos para os norte-ame­ri­canos, nas vés­peras das elei­ções pre­si­den­ciais de 8 de No­vembro. Para o mundo também não, pelas pi­ores ra­zões; os Es­tados Unidos fun­ci­onam como motor do sis­tema ca­pi­ta­lista mun­dial e o centro da ar­qui­tec­tura fi­nan­ceira in­ter­na­ci­onal (da glo­ba­li­zação im­pe­ri­a­lista), com todo o grau de per­ver­si­dade co­nhe­cido – não é por acaso que o ras­tilho da grande re­cessão mun­dial de 2007/​8 foi a ex­plosão da bolha imo­bi­liária (dos tí­tulos de cré­dito hi­po­te­cário sub­prime) nos EUA. Toda a cres­cente tur­bu­lência so­cial e po­lí­tica ob­ser­vada nos EUA re­mete para o agra­va­mento da sua con­dição eco­nó­mica e o ex­po­nen­cial de con­tra­di­ções e de­se­qui­lí­brios in­trín­secos. Um quadro tí­pico de es­tag­nação avan­çada que o cartel de eco­no­mistas e co­men­ta­dores dos media do­mi­nantes por esse mundo teima, no es­sen­cial, em não ver, apon­tando as lentes grossas para in­di­ca­dores su­per­fi­ciais e a aná­lise aces­sória que con­firmam a pu­jança (da re­cu­pe­ração) da eco­nomia do tio Sam. Mas que o circo de­ca­dente da pre­sente cam­panha elei­toral entre Clinton e Trump, re­bai­xando todos os li­mites do logro, sor­didez e fri­vo­li­dade da tra­di­ci­onal po­lí­tica-es­pec­tá­culo dos EUA, vem in­vo­lun­ta­ri­a­mente con­firmar.

De facto, desde a II Guerra Mun­dial, nunca o cres­ci­mento do PIB dos EUA foi tão ras­te­jante como agora, con­fir­mando uma tra­jec­tória de dé­cadas de de­clínio eco­nó­mico re­la­tivo da super-po­tência im­pe­ri­a­lista. O seu as­tro­nó­mico en­di­vi­da­mento con­tinua em pro­gressão in­sus­ten­tável. Os EUA são de longe o maior país de­vedor do mundo. O dé­fice anual médio da ba­lança co­mer­cial de Washington nos úl­timos anos su­pera a di­mensão eco­nó­mica de vá­rios países que in­te­gram o G20. E se a pro­du­ti­vi­dade do tra­balho con­tinua in­qui­e­tan­te­mente a de­gradar-se, o in­ves­ti­mento pú­blico desceu para os pa­ta­mares mais baixos desde os fi­nais dos anos 40. No plano so­cial, as de­si­gual­dades atingem ní­veis iní­quos e a po­breza per­ma­nece acima dos va­lores de 2008. A taxa de de­sem­prego ofi­cial (em redor dos 5%) re­flecte mais a mas­si­fi­cação da pre­ca­ri­e­dade e a ma­ni­pu­lação es­ta­tís­tica pela via da eli­mi­nação do exér­cito de de­sem­pre­gados que de­siste de buscar em­prego do que a re­cu­pe­ração deste. É cada vez mais no­tório o choque entre os in­te­resses do grande ca­pital e da fi­nança dos EUA, do sis­tema de poder ali­cer­çado no com­plexo fi­nan­ceiro-mi­litar-in­dus­trial, e as as­pi­ra­ções e di­reitos dos tra­ba­lha­dores e povo norte-ame­ri­canos e as exi­gên­cias de de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico sus­ten­tável.

Simul­ta­ne­a­mente, a de­gra­dação eco­nó­mica dos EUA é in­des­li­gável do apro­fun­da­mento da crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo, bem pa­tente na quebra sin­cró­nica que atinge as po­tên­cias da Tríade im­pe­ri­a­lista. O peso eco­nó­mico dos países do G7 con­tinua a di­mi­nuir, con­tando já menos de 50% do PIB mun­dial. No côm­puto geral, os lu­cros cor­po­ra­tivos na es­fera pro­du­tiva con­ti­nuam cons­tran­gidos, o in­ves­ti­mento mantém-se em ní­veis cri­ti­ca­mente baixos, a dí­vida pú­blica (e so­bre­tudo pri­vada) eleva-se a ní­veis es­tra­tos­fé­ricos e a banca sa­tu­rada de ac­tivos tó­xicos. O co­mércio mun­dial con­tinua em rá­pida de­sa­ce­le­ração. Face à ameaça de um novo e mais agudo pico da crise es­tru­tural crescem não só a agres­si­vi­dade e ra­pina im­pe­ri­a­listas, mas também o fre­nesim das dis­putas inter-im­pe­ri­a­listas: o maior banco alemão é apon­tado pelo FMI como o maior risco sis­té­mico para a banca mun­dial e pre­sen­teado com uma super-multa pelos EUA. Aliás, os úl­timos dados mos­tram que os co­lossos da banca dos EUA con­ti­nuam a ga­nhar ter­reno aos seus con­gé­neres eu­ro­peus.

Nada disto é fun­da­men­tal­mente novo na his­tória, ex­cepto, quiçá, o grau qua­li­ta­tivo da es­tag­nação im­pe­ri­a­lista. A fuga para a frente da fi­nan­cei­ri­zação toca os seus li­mites. No la­bi­rinto da crise, avultam os pe­rigos para a Hu­ma­ni­dade. Mas não se perca a pers­pec­tiva. Há 100 anos Lé­nine in­sistia: o [apogeu do] im­pe­ri­a­lismo é a vés­pera do so­ci­a­lismo.




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