Não se enxerga

Henrique Custódio

No mesmo dia em que estava anunciada a rentrée do PS, o PSD inventou uma «Festa da Beira Baixa» para antecipar palco a Passos Coelho.

É claro que as televisões foram a correr ouvir o homem que, naquela caranguejola de plateia (aliás, nunca mostrada nas emissões de sábado), enjorcou mais uma rentrée do seu rosário, numa luta desesperada para se manter à tona de água.

Mais valia estar calado – um conselho antigo, que Passos nunca segue.

Basicamente, disse duas coisas.

Uma, que «a visão que temos para o País é ainda hoje mais necessária».

Outra, que o serviço público «moderno» é o «prestado pela sociedade civil», cabendo ao Estado «não se demitir de dinamizar, de enquadrar, de regular e de poder garantir [e aqui é que bate o ponto, pois claro] a qualidade na sua prestação» [ou seja, pagar aos privados para «fazerem o serviço público», como ele induziu mais à frente].

Quanto à «visão que temos para o País», o profuso orador escudou-se no seu governo: «tendo conseguido, como conseguimos, dar a volta aos problemas, tendo a economia do País a crescer, o desemprego a cair e o emprego a melhorar, os rendimentos das pessoas e do País a melhorarem também».

Parece uma anedota e talvez o seja: Passos continua a mentir e fá-lo com a desfaçatez de um vigarista de feira. Após quatro anos e meio a tentar desmantelar o Estado democrático construído com a Revolução de Abril, depois de cumprir um roteiro político que ele próprio sintetizou como de «empobrecimento nacional», depois de ter atropelado a Constituição da República, sob os auspícios do Presidente Cavaco, para impor cortes de direitos e garantias, cortes generalizados em salários, pensões, carreiras, subsídios e apoios sociais, tem a desfaçatez de vir hoje a público dizer que «conseguimos dar a volta aos problemas» e propor-se como «alternativa».

Uma «alternativa» que ele também explicita: a de «transferir» os serviços sociais do Estado no Ensino, no Serviço Nacional de Saúde e na Segurança Social para os capitais privados (a que ele chama «sociedade civil»), transformando-os em negócios privados pagos com dinheiros públicos.

É como nos EUA, onde tudo são negócios privados para servir quem paga, continuando a consumir 60 por cento dos recursos do planeta e, ainda assim, a atarrachar mais e mais as condições de vida do seu povo e dos muitos milhões de emigrantes que lá continuam a desembocar.

Insistindo monocordicamente – e sempre de voz colocada – no «falhanço» da «solução governativa das esquerdas», Passos continua sem perceber que a sua solução de empobrecimento generalizado é que foi batida nas urnas e recusada maioritariamente pelo povo português.

Perdido no seu labirinto de confundir um 1.º lugar com vitória eleitoral, o homem não se enxerga.

 



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