A montanha sagrada
A dívida pública portuguesa atingia no final de 2015 mais de 230 mil milhões de euros e é uma das maiores do mundo se comparada com a riqueza produzida anualmente no País. O privilégio de ter uma dívida desta dimensão custa por ano ao povo português mais de 8 mil e 500 milhões de euros, mais do que aquilo que o Estado gasta com a saúde ou educação e muito mais do que aquilo que tem sido alocado ao investimento público nos últimos anos. O povo português paga, e pagará nos próximos anos, só em juros dessa mesma dívida, talvez o dobro daquilo que venha a receber até 2020 de fundos comunitários, sendo que no final desse período a dívida continuará mais ou menos na mesma. Uma das maiores do mundo, um imenso sorvedouro de recursos públicos que tanta falta fazem ao País.
Essa dívida pública é uma espécie de montanha sagrada que cresceu à custa do abandono do aparelho produtivo, da entrada no euro, dos apoios dados ao grande capital, da especulação financeira (que tanto deu a ganhar à banca privada), da transformação da dívida da banca privada em dívida pública. E de tão sagrada que é, ela é intocável para o grande capital. Pode-se discutir tudo, cortes nas reformas e pensões, cortes na saúde e na educação, despedimentos e encerramento de serviços públicos, tudo, menos a renegociação da dívida. Só a invocação desta hipótese, ainda que de forma remota, faz logo agitar as almas mais sensíveis dos agora chamados mercados. A chantagem é clara: qualquer país que coloque em cima da mesa a possibilidade de renegociação fica automaticamente sem acesso aos mercados, isto é, a novos empréstimos, numa situação que é agravada no caso português pela impossibilidade de imprimir moeda, dada a integração no euro.
Ora acontece que nesta discussão que se vai fazendo em torno do próximo Orçamento do Estado, onde se apresentam inúmeras contas de somar e subtrair, uns milhões daqui, outros de acolá, parece que não se quer olhar para este verdadeiro obstáculo que se coloca ao País: a descomunal e insustentável dívida pública. Mas haverá coisa mais sagrada do que o futuro de um povo e de um país?!