Comentário

Pragas, impasse e fuga

João Ferreira

1. Passaram quatro semanas desde o referendo no Reino Unido. Estranhamente, o pré-anunciado apocalipse em caso de vitória do Brexit, desafiando a conhecida pontualidade britânica, tarda em chegar. O Armagedão previsto em aturados estudos divulgados nas semanas que antecederam o referendo não se deixa ver. E as pragas – mil vezes piores que as do Egipto – que se abateriam furiosamente sobre o reino em caso de vitória da saída da UE (assim o previram bancos, seguradoras e diversas outras respeitosas entidades), por enquanto nem vê-las. A não ser, está claro, as pragas que já antes do Brexit empestavam o reino: uma desgraçada situação social, desemprego, pobreza, exclusão e desigualdades. Pragas que são, afinal de contas, terreno explicativo por excelência do referendo e do seu resultado – por muito que alguns não o queiram ver ou não queiram que outros o vejam. Realidade incontornável que nem a nova primeira-ministra britânica, Theresa May, pôde ignorar no seu discurso de tomada de posse, sobre ela se detendo demoradamente.

A poeira que se elevou é ainda muita e sem dúvida há que esperar que ela assente. Não se terão enganado os que atribuíram ao Brexit o carácter de abalo de considerável magnitude. Abalo que o grande capital e as instituições ao seu serviço tudo fizeram para evitar, isso é certo.

2. Dias difíceis, os que correm, para a dita Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos, mais conhecida como TTIP. A imprensa internacional foi lesta a caracterizar o resultado da décima quarta ronda negocial entre a UE e os EUA: fracasso. Sem rodeios. E pronta veio também a associação entre a sorte desta mais recente ronda negocial e o Brexit.

Sabia-se que o terreno se encontrava já minado de contradições. Que a UE se queixa do fraco acesso que os EUA estão dispostos a conceder aos seus mercados de contratação pública. Que os EUA querem mais e melhor acesso ao mercado dos serviços públicos. Entre outras desavenças que vão perturbando o consenso de esmagar direitos e salários, em ambos os lados do Atlântico, em prol dos lucros das multinacionais.

Ora perante estas contradições e desavenças, que existem e são conhecidas, o Brexit não veio aplanar o caminho. Ao contrário: deixou-lhe mais um pedregulho.

Dan Mullaney, o negociador-chefe do lado dos EUA, pôs o dedo na ferida (Reuters, 16/07/2016): «Embora o racional económico do TTIP permaneça forte, a saída do Reino Unido da UE vai obrigar a repensar as coisas. O Reino Unido é o maior mercado para os serviços dos EUA e representa 25% das suas exportações para a UE». E acrescentou: «Imaginem agora que os EUA tinham dito: “bom talvez o TTIP não se vá aplicar na Califórnia”. Há naturalmente que reflectir sobre os desenvolvimentos mais recentes».

Garcia Bercero, representante da Comissão Europeia nas negociações, reconheceu o «ambiente político mais desafiador», ao mesmo tempo que atirou o documento consolidado com o resultado das negociações, que deveria estar pronto no final deste mês, «talvez lá para o final de Setembro, dependendo de mais conversas que possam ocorrer até lá, entre os EUA e a UE».

3. É visível o esforço do directório e das instituições ao seu serviço para darem a entender que, depois do abalo do Brexit, a UE segue em frente, se possível ainda com mais força e velocidade. Uma «fuga em frente». A necessidade de reafirmação de poder é parte deste processo: demonstrar que ainda há uma máquina que puxa as composições e que estas andam nos carris, sem desvios. A novela das sanções – e o muito que está para além delas – é parte deste processo.

Um outro desenvolvimento recente muito negativo, a merecer referência particular, é a constituição de uma Guarda Costeira da UE. Desde há muito que alguns perseguiam este objectivo: uma estrutura supranacional, de controlo e de intervenção nas águas sob soberania e jurisdição de cada Estado-membro. Não tinham, todavia, reunido as condições políticas para tal. Até hoje.

Depois de, como o Tratado de Lisboa prevê, a gestão dos recursos vivos marinhos da Zona Económica Exclusiva (ZEE) de cada Estado-membro ter passado a ser uma «competência exclusiva» da UE, torna-se agora possível intervir nessas ZEE mesmo contra a vontade soberana do Estado em questão.

Reverter mais este passo passa a ser mais uma exigência a transportar para o pesado caderno de encargos da libertação de Portugal da submissão à UE e aos seus mecanismos de domínio económico e político.



Mais artigos de: Europa

Os apoios ocultos ao terrorismo

Um relatório parlamentar britânico, divulgado dia 12, indica que o grupo terrorista «Estado Islâmico» (EI) recebeu apoio financeiro de países do Golfo Pérsico.

Vigilância global

A Comissão Europeia anunciou, dia 12, a entrada em vigor do novo quadro jurídico que regula a transferência de dados pessoais de cidadãos de países membros da UE para os Estados Unidos.

PCP condena atentado de Nice

O PCP emitiu no dia 15 uma nota de imprensa onde expressa a sua condenação pelo acto terrorista perpetrado na véspera na cidade francesa de Nice, do qual resultaram dezenas de mortos e feridos, e a sua «consternação e sentimentos de pesar aos familiares das vítimas, assim...

PCP na Alemanha e Catalunha

O PCP participou nas festas do Partido Comunista Alemão (PCA) e dos Comunistas da Catalunha, recentemente realizadas. Na UZ-Pressefest, a festa do jornal Unsere Zeit, órgão central do Partido Comunista Alemão (PCA), o PCP fez-se representar por Paulo Costa, membro...

Deputado do PCP visita Cuba

O deputado do PCP no Parlamento Europeu e membro da Delegação à Assembleia Parlamentar Euro-Latino-America (EUROLAT), João Pimenta Lopes, participou no «Congreso de la Patria Internacional», que decorreu em Caracas, Venezuela, entre os dias 13 e 14. No dia 18, João Pimenta...