Brexit, o que fazer?
O referendo britânico constitui um acontecimento de grande importância política para os povos do Reino Unido e da Europa. A ideia da irreversibilidade da União Europeia sofre um profundo abalo. O debate sobre o futuro do continente europeu e das relações entre os seus povos e estados está na ordem do dia.
Cabe aos povos trilhar, pela luta, os caminhos da ruptura
Foi quase há quatro anos que afirmámos na Resolução Política do XIX Congresso do PCP que a crise do capitalismo na União Europeia expunha com notável clareza a natureza e as insanáveis contradições do processo de integração capitalista europeu e que por isso a crise na União Europeia era também a crise dos seus fundamentos e pilares económicos, políticos e ideológicos. Estava formulada a tese da «crise na e da União Europeia» que tanta actualidade tem hoje.
Afirmámos na altura que «a profunda crise social e económica na União Europeia, a afirmação das várias instituições europeias como instrumentos políticos do domínio dos grandes monopólios e do capital financeiro, o salto ultraliberal e federalista em curso nas instituições da UE e o aprofundamento das contradições políticas e institucionais no seu seio» eram elementos de «um processo de concentração do poder político e económico, rolo compressor de direitos sociais, laborais e democráticos e da soberania dos povos», elementos que, como afirmámos então, «revelam com assinalável nitidez os limites objectivos da União Europeia, demonstrando que esta não é reformável e está condenada ao fracasso».
Aí está a realidade a dar razão ao PCP. O referendo britânico é «apenas» mais um momento – muito importante sem qualquer sombra de dúvida – de um processo em que a acentuação da natureza imperialista da União Europeia aprofunda de forma vertiginosa os quatro eixos de contradição que a percorrem: de classe; democrático e de soberania; civilizacional e de falta de legitimidade; de rivalidade inter-imperialista. Contradições que estiveram todas presentes no Brexit e cujas expressões confluem de forma cada vez mais evidente numa crise «sistémica», profunda e persistente que não nasceu agora, antes com a própria criação da CEE e depois da União Europeia. Tal como o capitalismo, também a União Europeia carrega no seu bojo, devido à sua natureza de classe, a crise.
Novo pico de crise
É por isso que o referendo britânico adquire uma tão grande magnitude. Se ele fosse o resultado de uma mera conjuntura política interna britânica, ou mesmo de uma curva apertada da relação entre potências no continente europeu, não teria o impacto que está a ter. Mas não é só isso. É preciso enquadrar o referendo britânico para o entender na sua plenitude.
Ele acontece precisamente quando o mundo e a Europa estão às portas de um novo pico de crise económica e financeira do capitalismo; quando a crise social no continente europeu faz desta região uma das zonas do globo de maior regressão social da última década; quando se sucedem escândalos financeiros uns atrás de outros e se torna visível que a corrupção faz parte do status quo; quando países como a Grécia continuam a ser esquartejados económica e socialmente e humilhados politicamente; quando os discursos delicodoces da «construção europeia» dão lugar à despudorada arrogância da Alemanha imperialista; quando o sistema político burguês no continente mergulha numa profunda crise e o fascismo se alimenta da exploração social e da opressão nacional; quando as rivalidades inter-imperialistas extravasam os corredores de Bruxelas e fazem estalar o verniz da hipocrisia eurocrática; quando o Mediterrâneo se transforma na maior vala comum da história recente da Europa e a União Europeia diz explicitamente aos povos do mundo «não venham para a Europa»; quando a União Europeia militarista faz a guerra em várias partes do mundo, alimenta e financia terroristas, faz acordos de «cooperação» com governos fascistas e empurra o continente europeu para um embate com a Federação Russa de incalculáveis consequências.
Trilhar os caminhos da ruptura
É este, resumidamente, o quadro em que aconteceu o Brexit. A História está a desenrolar-se diante dos nossos olhos e a pergunta de Lénine faz todo o sentido: que fazer? A imagem da bicicleta que não pode parar revela o seu ridículo de forma exuberante. Ela está a abrandar, e a questão é o lado para onde vai cair. A resposta reside, como sempre, na questão de classe. As reacções dos últimos dias, no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu, fazem recordar a imagem da orquestra no convés de luxo que continua a tocar a mesma música enquanto o barco se afunda. Mais e melhor União Europeia, dizem eles. Dali não seria de esperar outra coisa.
Cabe aos povos trilhar, pela luta, os caminhos da ruptura, tomar o convés superior, organizar o salvamento e sair do barco antes do sufoco final. Salvar a Europa, significa, mais do que nunca, derrotar as imposições, políticas e pilares da União Europeia em todas as suas dimensões. E isso não é compaginável com visões reformistas da União Europeia, e muito menos com brincadeiras mediáticas, de um indisfarçável populismo e politicamente desonestas como a proposta do BE de um referendo indefinido que o PCP já desmontou e bem.