Haverá mais
O «Brexit» no Reino Unido atarantou a direita que transborda das televisões portuguesas, quer nos alinhamentos e textura dos noticiários, quer na miríade adstrita «ao comentário». O mesmo, obviamente, ocorre nas publicações escritas, onde quem serve a linha editorial vigente tem lugar cativo nas preciosas páginas jornalísticas.
Há-os catastrofistas e ameaçadores, como lhes está na alma, e esses estipendiam o caos e os infernos no próximo devir se «lerem o Brexit» como carta de alforria para com as «obrigações com Bruxelas». O que significa, no entender destas luminárias, que o «Brexit» britânico não deve ter consequências na política austeritária da União Europeia, que deve continuar na mesma a «obsessão do défice», as imposições ao abrigo do pacto orçamental, o garroteamento dos salários, carreiras e direitos sociais, mesmo sabendo-se de ciência certa e transcorrida que tal política só veio aumentar os défices nacionais e mergulhar os países intervencionados na voragem de uma dívida impagável e sem fim.
Estes catastrofistas estão de pés no ar, com tanto medo que não o conseguem disfarçar – e têm medo nem sabem de quê.
Depois há os doutorados e universitários a granel, como Carlos Moedas (agora um senhor importante em Bruxelas) ou Poiares Maduro, decidindo este último, do alto da sua relevância e a propósito do «Brexit», que «muitos europeus vivem num mundo globalizado mas com uma concepção do mundo ainda profundamente dominada pelo local».
O «local» é algo que contraria a «visão globalizada» do mundo que Maduro advoga, sem reparar que, ao falar de «local», se está a referir a cada país que integra a União Europeia, onde o que preocupa as pessoas não é a maior ou a menor velocidade com que se efectua transacções, negócios, trafulhices ou se transporta mercadorias – essa «globalização» pratica-se desde que os portugueses foram à Índia e deram início ao comércio planetário da nossa Idade Moderna –, o que realmente as preocupa é o desemprego, a diminuição de salários e pensões, a perda de direitos e do poder reivindicativo, o desapossamento de soberania nacional, males que a política centralizadora de Bruxelas tem espalhado há mais de uma década.
O que levou os britânicos a votar maioritariamente pelo «Brexit» também passa por aqui.
Mas o resultado do referendo no Reino Unido trouxe mais coisas.
Uma delas, é a evidência de que a União Europeia não tem legitimidade para impor uma visão única, irrefutável e inamovível da política a seguir nos estados da União.
Outra, é que as imposições do directório da UE, a coberto do tratado orçamental e sem que esse directório tenha a mínima legitimidade democrática, podem e devem ser contestadas e postas em causa.
Haverá mais. O tempo as trará.