A França é a França

Margarida Botelho

«A França é a França», disse Juncker, o presidente da Comissão Europeia, questionado sobre a razão pela qual a França não está ameaçada de sanções por não cumprir os três por cento de défice do Estado imposto pela União Europeia, ao contrário de outros países, entre os quais Portugal.

O argumento lembra aquelas discussões de criança, quando os meninos que levaram a bola para o recreio querem decidir as regras dos jogos de futebol porque… são os donos da bola. Só falta, para a sinceridade ser completa, admitir que como a França (e a Alemanha, para não ir mais longe) e os interesses dos grandes grupos económicos é que determinam as regras na União Europeia, era o que mais faltava é que tivessem de as seguir.

O chefe do eurogrupo veio a terreiro defender a pureza da construção europeia: falou em «pecadores do défice», «indulgência», «desleixo», falta de credibilidade e autoridade. O ministro das finanças holandês – o tal que na semana passada afirmou que as sanções a Portugal eram definitivamente possíveis – acompanhou-o na indignação.

Não com certeza por causa da França não ser punida – porque a essa isenção já todos deram acordo, e mais do que uma vez. A indignação prende-se decerto com a excessiva franqueza, ou momento de fraqueza, que levou Juncker a assumir claramente os dois pesos e duas medidas da União Europeia. A assumir que a conversa da coesão, da solidariedade, da Europa unida, ser verdadeiramente cantiga de embalar para enganar os mais incautos.

Pode também dar-se o caso de se tratar de mais um exemplo da velha táctica do polícia bom e do polícia mau, a ver se países como Portugal caem na esparrela de apontar o dedo e dizer «se nós temos sanções, aquele tem de ter mais». Como os meninos queixinhas que arrastam os colegas para o castigo, para não deixar as metáforas dos recreios das escolas.

Na intervenção que fez no comício de encerramento da Festa da Amizade, em Almada, no passado domingo, o Secretário-geral do Partido disse – e a citação é de memória – que Portugal não pode comportar-se perante a União Europeia como «sobrinho pobre em casa de tia rica». Tem de denunciar a ingerência e a submissão, afirmar a soberania e a independência.




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