No princípio era o erro

Correia da Fonseca

Digamos que no princípio era o erro para não dizermos que no princípio era o logro, fórmula que poderia parecer demasiado agressiva. Foi no «Prós e Contras» da passada segunda-feira. O título do programa, ou pelo menos a enunciação do seu tema, surgiu sob a forma de uma interrogação posta aos telespectadores que lhe quisessem dar resposta: «O Estado deve ou não pagar colégios privados?» Algum tempo depois, não muito, surgiu uma informação: a resposta era afirmativa em 78 por cento. Não era caso para surpresas: sabendo-se o que em geral era sabido, isto é, que a escola pública ainda não está presente em algumas zonas do País, impunha-se como óbvio que o Estado deve pagar a presença suplectiva da iniciativa privada. Lá mais para diante, a mesma pergunta surgiu com uma formulação ligeiramente diferente: «O Estado deve financiar colégios privados através de contratos de associação?» Então já tinha havido alguns esclarecimentos mas mantinha-se a maioria afirmativa, ainda que não tão forte. Nada de espantar: é claro que o dever de facultar ensino a todas as crianças é decisivo, sendo muito importando ponderar, contudo, onde, quando e em que condições. Foram estes três aspectos que foram sendo discutidos e tendencialmente esclarecidos ao longo do programa, de tal modo que no seu final a percentagem de respostas afirmativas apenas rondava os 50 por cento e prometia prosseguir a tendência para a redução. Esta tendência indiciava que a troca de argumentos entretanto havida no programa esclarecera que o apoio financeiro à iniciativa privada em matéria de ensino só se justifica como excepção à regra geral, que é o dever estatal de abrir escolas que tendencialmente cubram todo o território nacional num ensino coerente com o carácter laico do Estado Português. Essa laicidade tem, naturalmente, tudo a ver com o que por vezes é designado por «aspectos ideológicos» numa espécie de recusa pudibunda e sempre um pouco hipócrita de valores fundamentais da vida em sociedade civilizada. Demoniza-se a «ideologia» como se houvesse criaturas racionais que não encarem a vida e o mundo num quadro de convicções que, coerentemente ou não, naturalmente se articulam em «ideologias«. Mas bem sabemos que esse sempre presente preconceito negativo tem sugestões e integra um peculiar combate. Ideológico.

Sem má-fé, pois claro!

A dada altura, um dos intervenientes no debate teve uma frase curiosa: « – Já não estamos na Primeira República, estamos em 2016!». Talvez seja interessante descascar um pouco a frase para vermos o que tem dentro. O que se passou na tal Primeira República está há muito suficientemente apurado: foi que, após décadas se não séculos de ensino directa ou indirectamente condicionado por convicções religiosas, de um ensino dominado por uma religiosidade frequentemente fanatizada e sempre intolerante, como que explodiu uma tendência de sinal contrário, compreensivelmente tocada por excessos que inevitavelmente acompanham a derrota das opressões. É evidente não ser esta a situação actual, e aquele comentário só revelava, precisamente, uma avaliação toldada por miopia intelectual e atolada em sectarismo. O actual Estado português não se recusa a financiar o ensino privado, mesmo que confessional, no caso de este estar implantado em áreas de onde o ensino público ainda está ausente: apenas não está disponível para ajudar, por via de apoios financeiros, o eventual esmagamento de escolas públicas existentes nas mesmas zonas. É claro, assim, que a questão proposta pelo «Prós e Contras» induzia a equívocos; digamos que estava ferida por erro, pois na verdade tendia a suscitar resposta afirmativa. Salvo quando o telepúblico perguntado começava a descobrir o enquadramento da questão. Isto é: excepto quando o público ia descobrindo que podia estar a ser induzido em engano. Sem má-fé, pois claro, era o que faltava!



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