«Secos e molhados» – 27 anos

Rui Fernandes

Assinalou-se no passado 21 de Abril os 27 anos da acção pelo sindicalismo na PSP que ficou para o registo histórico como «secos e molhados». Tendo decorrido o 2.º Encontro Nacional de Polícias na Voz do Operário, os presentes decidiram dirigir-se ao Ministério da Administração Interna, na Praça do Comércio, para entrega da moção que tinha sido aprovada. Deslocaram-se em desfile silencioso e ordeiro e quando chegaram ao local foram recebidos por uma carga do Corpo de Intervenção comandada pelo Tenente-coronel Governo Maia. Da carga, que inclusive meteu canhões de água (daí a expressão secos e molhados), resultaram vários feridos e seis membros da delegação da pró-ASPP-PSP foram detidos. As imagens do ocorrido tiveram eco internacional. De assinalar que todo o trabalho para a consagração do sindicalismo foi desenvolvido em condições semi-clandestinas e é justo referir, de entre as dezenas de polícias que com dedicação e arriscando a sua carreira se empenharam, os nomes de Joaquim Santinhos, Alberto Torres e José Carreira. Importa ainda assinalar, para uma percepção mais clara, a forte influência que o movimento pró-sindical tinha no seio do próprio Corpo de Intervenção e da angústia que constituiu o confronto, com a comissão pró-sindical a emitir um comunicado de compreensão para com os seus camaradas.

O 21 de Abril de 1989 rompeu com as concepções profundamente reaccionárias prevalecentes sobre a existência de sindicalismo nas forças de segurança e acelerou a alteração da desconformidade relativamente ao consagrado na Constituição da República da presença de oficiais do Exército na PSP. Foi um dia que ficou para a história e que continua a ser justamente comemorado pela ASPP.

As lutas de hoje

Não reconhecer que a realidade sócio-profissional existente hoje nas forças de segurança é diferente para melhor seria uma obtusidade. E não reconhecer que o essencial dessas melhorias se deve à luta desenvolvida pelos profissionais, em torno das estruturas sócio-profissionais, seria avolumar a obtusidade. Luta entendida como acção reivindicativa concreta, mas também entendida como proposta para a superação dos problemas. Luta e existência de estruturas que não puseram e não põem em causa o objecto das respectivas forças – garantir a segurança das populações.

O reconhecimento dos avanços verificados não apagam os muitos problemas existentes, alguns dos quais se arrastam inacreditavelmente no tempo. Problemas de progressão nas carreiras; de colocação em escalões; de falta de efectivos ao mesmo tempo que se mantém a existência de dois corpos especiais (PSP e GNR); na formação face às novas realidades. Problemas de reconhecimento de profissão de risco; de fixação de horário de trabalho de referência (GNR); de democratização dos serviços sociais; de medidas para a segurança, higiene e saúde nos locais de trabalho. Problemas da manutenção de uma força de segurança com estatuto militar (GNR) e da continuação da entrada de oficiais do Exército nos cargos de topo da GNR em detrimento dos oficiais formados nessa força. O problema do estado de alguns meios, por exemplo das viaturas, que formação tem quem as conduz, que responsabilidades assume ou não quando bate. O problema da degradação das instalações e das condições para quem nelas presta serviço, mas também para receber quem a elas se dirige. Estes são, entre muitos outros, problemas que existem, alguns dos quais criados pelas opções políticas adoptadas por sucessivos governos, ou seja, criaram problemas e solucionaram poucos.

A resposta sucessiva que surge por parte das tutelas é a da falta de meios, meios que nunca faltaram para criar problemas. Sem dúvida que, como diz o ditado popular, « Roma e Pavia não se fizeram num dia», mas é preciso encetar com determinação um caminho de resolução e não de criação de problemas.

Um dos problemas que persiste, apesar dos indesmentíveis avanços verificados, é a manutenção de desconfianças face ao papel das estruturas sindicais ou sócio-profissionais, seja na relação tutela-estruturas, seja na relação direcção/comandos-estruturas, em função dos governos de serviço e dos respectivos titulares. O corte de relações entre o anterior MAI, Miguel Macedo, e a APG, é disso exemplo. Já ao nível dos comandos ou direcções nacionais das forças, persistem concepções de que dialogar com as estruturas, ouvir as suas propostas, esclarecer sobre as razões porque tal ou tal ideia não é viável e sugerir tal ou tal caminho é por em causa a sua autoridade. Daria um grande contributo para a superação de problemas, eliminar definitivamente tais reservas. Ajudaria a isso a adopção de medidas que ainda tardam tomar no que respeita à GNR para, reconhecendo a plenitude da existência das estruturas sócio-profissionais, reconhecer a existência de delegados associativos, estabelecendo critérios muito objectivos. E se a experiência da PSP nessa matéria se pode estar a revelar recheada de complexidades, impõe-se então encetar com a respectivas estruturas a análise do problema e corrigir o que houver a corrigir. O caminho não é manter a situação existente, mas progredir na consolidação da realidade sindical e sócio-profissional.

Vinte e sete anos passados dos «secos e molhados» e saudando os que nesse processo arriscaram com coragem e determinação encetar derrubar os muros com os olhos postos do futuro, processo para o qual o PCP se orgulha de ter dado, no plano institucional, um inapagável contributo, compete na actualidade prosseguir na resposta e superação dos problemas actuais, certos de que o mundo gira e que o «impossível» é possível com a acção transformadora dos que não desistem.

 



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