A exigência de uma resposta firme
Não pode ser o povo a pagar uma vez mais os buracos da banca privada e os desmandos dos banqueiros nem o Estado a arcar com os prejuízos. Esta foi uma ideia-chave reiterada sexta-feira passada, 15, por Jerónimo de Sousa, no debate quinzenal com o primeiro-ministro.
Há motivos de preocupação com o sistema financeiro e respectiva regulação e supervisão
Com os problemas do sistema financeiro a ocupar um lugar central no debate, o Secretário-geral do PCP sustentou igualmente a necessidade de que sejam asseguradas condições para que o crédito «possa efectivamente ser gerido como um bem público, ao serviço do País e do desenvolvimento nacional».
O líder comunista falava das linhas de acção concretas que em sua opinião devem conformar a «resposta política firme e decidida, quer no plano nacional quer internacional», que é exigida para sossegar minimamente as preocupações dos portugueses quanto ao sistema financeiro.
Resposta para a qual o PCP deu já um contributo, frisou, lembrando as propostas apresentadas de combate aos offshores e às práticas que estes encobrem. E adiantou que a estas se acrescentará em breve uma outra proposta visando a criação de uma taxa que impeça no imediato a utilização daqueles obscuros esquemas para fugir ao pagamento de impostos. Offshores, anotou, por onde se efectua a circulação de capitais e que encobrem e asseguram «práticas imorais, ilegais e mesmo criminosas, a começar pela fuga aos impostos por parte dos grandes grupos económicos e financeiros».
O papel da Caixa
Componente imprescindível dessa resposta política que importa dar é também o controlo público da banca, segundo Jerónimo de Sousa, tal como é assegurar no imediato condições de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos que a reforcem e ao seu papel enquanto «instrumento público de intervenção na política de crédito, particularmente às PME».
E a este respeito Jerónimo de Sousa não escondeu a preocupação quanto ao futuro da CGD, tendo em conta as «dificuldades que a União Europeia pode vir a colocar à sua recapitalização pelo Estado, com o objectivo de fazer desaparecer o banco público, no imediato ou a prazo».
«Alguém consegue explicar que o dinheiro público acuda à banca privada e às malfeitorias dos banqueiros e não possa ser usado para recapitalizar o banco público?», foi a pergunta formulada por Jerónimo de Sousa, para quem esta é uma «aberração que tem de ser esclarecida».
E por isso foi com palavras duras que se referiu à União Europeia, numa intervenção onde à sua crítica não escapou também a actuação do Banco de Portugal no caso Banif, que, do seu ponto de vista, acrescenta «novos motivos de desconfiança quanto à regulação e supervisão bancária e aos fins que verdadeiramente servem».
Pilar de estabilidade
Indo directamente à questão da Caixa Geral de Depósitos, António Costa, na resposta, foi assertivo na defesa de que a instituição «deve ser 100 por cento pública e deve ser capitalizada pelo recurso a capitais públicos». «Hoje e amanhã», asseverou, porque a CGD é o «grande pilar de estabilização do nosso sistema financeiro e é uma garantia essencial da própria soberania nacional no sistema financeiro».
O primeiro-ministro considerou ainda que «não é admissível uma interpretação do direito da concorrência europeu que impondo à CGD que cumpra os mesmos rácios de capital de qualquer outro banco privado seja depois na prática impedido o seu accionista – o Estado – de realizar o mesmo esforço de capitalização que os accionistas privados têm de fazer relativamente aos seus bancos». E dirigindo-se a Jerónimo de Sousa, deixou a garantia de que fará «tudo» o que estiver ao seu alcance e bater-se-á «em todas as instâncias europeias para assegurar a capitalização da CGD, para que continue a ser o grande pilar de estabilidade do nosso sistema financeiro».
Bater o pé
O chefe do Governo fez ainda questão de sublinhar que tem repetido ser essencial que «entre o BCE e a Direcção Geral da Concorrência Europeia haja melhor coordenação, de forma a que uns não imponham exigências que outros inviabilizam de ser cumpridas».
«A nossa interpretação do Tratado da UE é que quando consagra o princípio de que cada Estado é livre de definir o regime de propriedade no seu Estado-membro isso significa uma garantia do Tratado para a liberdade que temos de ter um banco 100 por cento público e que essa garantia não pode ser distorcida pelas regras da concorrência», sustentou, concluindo: «esta é a nossa posição e é a que executaremos».
«Pode contar com o PCP para conseguir esse objectivo de recapitalização e fortalecimento da CGD para contribuir para o reforço do nosso crescimento, do nosso desenvolvimento, de apoio às PME», informou Jerónimo de Sousa, que, elucidando sobre o porquê de tanta insistência sua e preocupação com o sistema financeiro, explicou que a razão reside no facto de saber que «todas as medidas que forem encontradas terão efeitos negativos ou positivos na vida do País e do nosso povo».
Esse foi o motivo, aliás, porque confessou ainda que sempre que é confrontado com o argumento de que não há dinheiro para as reformas e pensões, para salários, para a protecção social, invariavelmente, encontra sempre como «causa funda esse sorvedouro imenso» que tem sido o sistema financeiro.
Direitos e condições de vida
Colocadas pelo líder comunista no centro do debate foram também outras preocupações que perpassam hoje na mente de milhões de portugueses e para as quais é preciso dar respostas concretas. Preocupações que os deputados comunistas poucos dias antes tomaram em boa nota nas suas Jornadas Parlamentares realizadas nos distritos de Vila Real e Bragança.
Desse elenco fazem parte os problemas do interior, as assimetrias e o desenvolvimento regional, mas sobretudo as questões relacionadas com os direitos e as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores.
E o primeiro combate às assimetrias e à desertificação, na perspectiva do Secretário-geral do PCP, passa por atender àqueles que são direitos e aspirações dos trabalhadores, defendendo a contratação colectiva que os consagra, nomeadamente travando a caducidade dos contratos colectivos.
Como urge combater, prosseguiu, a desregulamentação dos horários de trabalho, assegurando a compatibilização da vida familiar e profissional. Necessária, no entender de Jerónimo de Sousa, é também a concretização da redução do horário de trabalho semanal para as 35 horas, não só para os trabalhadores da Administração Pública mas também estendendo as 35 horas aos trabalhadores do sector privado, proposta que o PCP já assumiu e que irá apresentar em breve.
Travar caducidade
António Costa, na resposta, disse «compartilhar» da perspectiva do responsável comunista de que é preciso «combater a precariedade e garantir melhor emprego» e que essa é uma das questões centrais para ter «inovação e qualificação dos recursos humanos nas empresas».
«A precariedade é o maior inimigo da produtividade», afirmou, defendendo, por isso, «a par das várias medidas que têm de ser adoptadas», um «combate muito sério contra a precariedade, a melhoria da qualidade do emprego e a qualificação dos recursos humanos, designadamente a formação ao longo da vida», que considerou ser «absolutamente crucial».
O primeiro-ministro disse igualmente «acompanhar» Jerónimo de Sousa na «necessidade de repor, de resolver o problema da contratação colectiva». E classificando a situação de «iníqua», explicou ser essa a razão pela qual o Governo está a «trabalhar quer em sede legislativa quer de concertação social para desbloquear o quadro de contratação colectiva».
Revelou ainda que o Executivo em algumas empresas públicas «agiu já no sentido de travar a caducidade de instrumentos de contratação colectiva que estavam em risco de entrarem nesse processo de caducidade».
«Não queremos uma contratação colectiva bloqueada, queremos uma contratação colectiva activa, de forma a regular sectorialmente e da melhor forma aquilo que são os direitos e os deveres nas relações laborais», afirmou.
Por justiça nas reformas
Questão a que igualmente importa dar resposta com «sentido de justiça social», segundo o líder comunista, é o «direito à reforma das longas carreiras contributivas».
E a este respeito, interpelando o primeiro-ministro, Jerónimo de Sousa lembrou a existência de milhares de trabalhadores que mesmo depois de 40 anos a trabalhar não conseguem reformar-se. E se o fizerem, observou, levam cortes brutais. Dado por si foi o exemplo de uma trabalhadora têxtil que, depois de uma vida inteira de trabalho, leva para casa 200 ou 300 euros. Situação que considerou inaceitável, defendendo que «é preciso ter isto em conta e reconhecer que ao fim de 40 anos de trabalho é justo e merecido permitir uma reforma sem penalização».
Na resposta, depois de lembrar que o Governo «suspendeu a lei que era injusta e que penalizava grandemente muitos trabalhadores», António Costa disse que as longas «carreiras contributivas têm hoje condições mais favoráveis», mas reconheceu que o «problema não está integralmente resolvido».
Revelou ainda não ter «uma resposta para o problema» colocado por Jerónimo de Sousa, mas assegurou que «tem a preocupação de encontrar uma resposta para ele» e que o «ministro do Trabalho está a trabalhar» nesse sentido. É «esse o objectivo», insistiu, porque «é necessário assegurar justiça a par da sustentabilidade de Segurança Social».