Controlo público da banca

Desenvolvimento e soberania

Reconstituir um poderoso sector público financeiro é, tal como o controlo da moeda e a libertação do País de outros constrangimentos, condição essencial para impulsionar o progresso económico e social num Portugal soberano. Esta a ideia-mestra confirmada no seminário que o PCP realizou fez anteontem uma semana.

«Persistem graves perigos e quem criou o problema não é capaz de o resolver»

Sobre a iniciativa em que falaram economistas, professores e investigadores, dirigentes sindicais, associativos e um ex-gestor bancário, e dirigentes e deputados do PCP – tendo a mesma sido encerrada pelo Secretário-geral do Partido, publicou o Avante!, a semana passada, uma notícia na qual releva os aspectos centrais da intervenção feita na ocasião por Jerónimo de Sousa. Entre estes estão o combate à especulação financeira e à dependência e controlo externos de um sector vital, a reserva dos recursos para o investimento produtivo e a reorientação da política de crédito para as necessidades de desenvolvimento soberano nacional e para a elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo.

A actualidade do tema na análise e intervenção dos comunistas justifica, porém, que voltemos ao assunto, abordando elementos aduzidos por outros oradores. O objectivo das privatizações impostas com a política de direita foi «a recuperação capitalista e monopolista» em Portugal, como a «definiu rigorosamente o PCP», lembrou Agostinho Lopes, para quem, nesse sentido, a alienação da banca e dos seguros tiveram primazia no processo de privatizações conduzido até 1996. Sucessivos governos PSD e PS tiveram como propósito, sob diversos pretextos e elaboradas concepções usar a banca privatizada como instrumento para que os grupos económicos reconstituídos fossem «a base da condução e desenvolvimento das privatizações noutros sectores e áreas», garantindo mais e novos negócios e o domínio do capital financeiro «nas novas empresas privatizadas».

Pela via da «centralização e concentração do capital», capturaram o poder político, disse ainda Agostinho Lopes, para quem, face aos factos que emergem do processo histórico, existe legitimidade e razão para questionar a privatização do sector financeiro, porquanto esta destruiu valor e delapidou riqueza, foi maná da arrecadação nem sempre lícita de fortunas, a contrastar com o saldo de prejuízos acumulados a vários títulos pelo Estado.

Jorge Pires, da Comissão Política do Partido, salientou, por seu lado, que desde a vaga privatizadora iniciada há 25 anos a banca tem sido instrumento de lucro e não do desenvolvimento do povo e do País. Acresce o «sentimento de impunidade» dos «responsáveis pela actual situação» em virtude da factura que os portugueses suportam para salvar um sector que se demitiu do «papel de apoio à economia e às famílias».

Pontos nos is

«A crise de 2008 veio tornar mais clara uma situação que há muito o PCP vinha denunciando: a financeirização da economia com a transferência de avultadas verbas do sector produtivo para a especulação financeira, a utilização do dinheiro dos depositantes para a cedência de créditos para as empresas dos próprios grupos bancários e aos amigos, sem qualquer tipo de garantia de retorno na maioria dos casos, e a distribuição de avultadas somas em dividendos pelos accionistas, mesmo quando a situação dos bancos aconselhava prudência, nomeadamente o reforço das provisões para as avultadas imparidades», frisou ainda Jorge Pires, que concluiu: «a experiência [o mito da robustez da banca nacional e o da capitalização desta, que é, afinal, a capitalização dos megabancos europeus que a adquirem expurgada de «toxicidade»] tem mostrado que a banca pública é a única maneira de conservar o sistema bancário nacional».

Em defesa do sistema de crédito público, bem como da moeda soberana, pronunciou-se igualmente Octávio Teixeira, que insistiu que a banca privada se transformou em «sujas lavandarias que promovem a evasão fiscal e o branqueamento de capitais, e continuam a especular delapidando a utilidade social das poupanças dos cidadãos».

O economista e membro do PCP criticou, igualmente, a estratégia do Banco Central Europeu de «criação de uma rede de alguns poucos grandes bancos na Zona Euro», a qual considerou «desastrosa para os interesses de Portugal», na medida em que reduziria «ao mínimo os sistemas bancários de base nacional». Inversamente, permanece actual a «necessidade estrutural da nacionalização da banca», desde que, advertiu, a tal corresponda uma «socialização da banca pública», isto é, que seja o accionista Estado a «definir as orientações estratégicas»».

De entre essas orientações estratégicas, tem de constar a valorização dos trabalhadores do sector, os quais, «nos últimos anos, com o seu trabalho, proporcionaram elevados lucros e encheram os bolsos dos banqueiros e accionistas privados». Em contrapartida, denunciou Joaquim Batalha, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Financeira, para além da destruição de sete mil postos de trabalho entre 2010 e 2014, «no plano da relações de trabalho, os bancos têm conseguido, com a cumplicidade da UGT e dos governos, aumentar a precariedade e a desregulamentação no trabalho, diminuir as remunerações reais, aumentar as cargas horárias e destruir direitos elementares».

 

   

Situação explosiva

No seminário organizado pelo PCP, Carlos Carvalhas considerou que «a crise das dívidas públicas (…) verificou-se no essencial na Zona Euro» porque os estados «ficaram prisioneiros dos mercados». Ora, neste sentido, os custos daí resultantes devem «ser endossados ao BCE e aos países que se opuseram à [sua] intervenção», impedindo os países de se financiarem junto daquele.

Claro é também, hoje, que não são os custos com as funções sociais do Estado e os serviços públicos os responsáveis pelo endividamento dos estados. Mas apesar de «estarmos mais acompanhados [nesta apreciação]», tal como noutras matérias, «passado o pânico», «o sistema financeiro mundial voltou às práticas de sempre», lamentou o membro do CC do PCP.

Lembrando que os 28 bancos que detêm «uma boa parte da dívida dos estados», detêm, igualmente, «um poder que não é comparável com a fraqueza dos estados», Carlos Carvalhas advertiu que a persistência de «produtos derivados» e da «”bolha” das dívidas soberanas» coloca nos píncaros o potencial explosivo de uma nova crise, tanto mais que a «solução» seguida foi a injecção de mais liquidez.

Ilustrativo de que persistem graves perigos e de que quem criou o problema não é capaz de o resolver, é o projecto da chamada União Bancária, explicou, por sua vez, o deputado do PCP no Parlamento Europeu Miguel Viegas.

Na União Bancária, integram-se «os mecanismos de resolução e supervisão» e o sistema de garantia. Este último «marca passo» por ser o único «voltado para os depositantes», realçou, antes de criticar o mecanismo de supervisão por retirar capacidade de intervenção soberana sobre o sistema financeiro aos estados nacionais, centralizando-a num BCE que já falhou como supervisor, e de qualificar o mecanismo de resolução como «um enorme embuste que visa apenas disfarçar o propósito de aprofundar a integração financeira da UE» e que engana os povos com a falsa ideia de que não voltarão a pagar a factura das falências.

Neste quadro, assume pertinência a formulação feita na iniciativa pelo deputado do PCP na Assembleia da República, Miguel Tiago: uma vez que «a forma como as instituições (...) se comportam no quadro do sistema financeiro capitalista determina a sua própria falência, mais ou menos acelerada, mas incontornável, a questão não é se “irá o banco colapsar”, mas “quando irá o banco colapsar”».

Para Miguel Tiago, «sendo que é o próprio capitalismo, a sua forma de funcionar, a necessidade imperiosa e incontornável de crescimento e acumulação dos grupos capitalistas, a causa do funcionamento da banca como um verdadeiro sorvedouro de recursos produzidos pelo trabalho, todas as soluções de regulação e supervisão, particularmente as que realizadas por entidades cuja principal característica é a tão proclamada “independência”, ficarão sempre aquém do necessário». Por isso, concluiu, «o controlo público da banca, exigindo uma variedade de soluções adaptadas a cada situação e a cada instituição, e com vista ao controlo público total do sistema financeiro, é a única forma que, não menosprezando a importância do sector financeiro, se nos coloca como solução para quebrar o ciclo de acumulação e colapso».

 



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