Os problemas e a retórica

Rui Fernandes

Vários são os problemas que afectam as forças e serviços de segurança e muitos deles arrastam-se indefinidamente no tempo. Mais, não só se arrastam como novos problemas vão sendo somados transformando, nalguns casos, problemas simples em problemas complexos e cuja resposta, consequentemente, passa a ser mais difícil de dar e criando um emaranhado de situações geradoras de injustiça e desmotivação. Repare-se: quando ao fim de, sensivelmente, seis anos, ainda há profissionais da PSP por reposicionar em escalões remuneratórios em resultado das alterações efectuadas, com todo o prejuízo daí decorrente para os respectivos profissionais, algo vai muito mal. Empreender alterações sem ter garantidos os meios para a sua efectivação é inadmissível. A verdade é que assim aconteceu. Tal como aconteceu, por exemplo, com o novo fardamento para a PSP e hoje é ver polícias com fardas diferentes. São dois exemplos distintos de um mesmo problema.

Por estas e muitas outras razões, foi apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP um pacote de perguntas ao Governo abrangendo assuntos sobre todas as forças e serviços de segurança, e um outro incidindo sobre o sistema prisional, totalizando as duas iniciativas cerca de 90 questões. Em causa estão os problemas da sobrelotação do sistema prisional, da degradação de estabelecimentos prisionais, de falta de efectivos e o problema dos técnicos superiores de reeducação; o problema de falta de efectivos no SEF que, aliás, pasme-se, não possuem estatuto profissional; as questões ligadas com o aumento de descontos para os serviços de apoio na doença (PSP e GNR), sendo que existem situações em várias zonas do País onde, por não haver serviços ou protocolos com outras entidades, os profissionais (ou os seus familiares), para terem acesso a consultas, ou se deslocam onde esses serviços existem ou fazem o desconto e depois vão ao privado, a pagar, para cuidarem dos seus problemas. O pacote de perguntas inclui também a manutenção da exclusão no acesso a oficial general dos oficiais oriundos da GNR, prosseguindo a prática de esses cargos só serem ocupados por oficiais oriundos do Exército; as questões ligadas com a Polícia Marítima, sem um sistema remuneratório próprio, sem cargos de comando próprio, sem orçamento próprio na medida em que a própria Autoridade Marítima, embora a lei o consagre, continua sem um orçamento próprio, entre outros aspectos, incluindo o esquizofrénico regime militarizado que lhes é aplicado; os problemas de pessoal que afectam a ASAE e as questões ligadas com o seu estatuto profissional. É de referir ainda nesta síntese de assuntos a proposta de realização de uma iniciativa, por parte da Comissão de Assuntos Constitucionais, sobre a temática dos suicídios nas forças de segurança, proposta esta entretanto aprovada unanimemente.

Há quem fale muito sobre as questões da segurança, mas nada refira sobre as questões dos profissionais das forças e serviços de segurança. É interessante ler como se escreve sobre as novas realidades do crime, sobre colaborações, infiltrações, espiões, escutas e muito mais que aqui não cabe, transplantando-se a uma galáxia longe do «planeta terra». Não está em causa aqui apreciar se aquilo que se escreve é ou não adequado e se é ou não necessário, mas como diz o escritor Há quem pense que pode pescar e congelar conceitos. Essa pessoa será quanto muito um coleccionador de ideias mortas. Ora, não sendo isso o pretendido, pensa-se, torna-se imperioso relevar que para que muitos desses encaminhamentos possam ter sucesso e não serem meras fórmulas de papel, urge resolver primeiro problemas básicos ligados com a vida concreta dos actores principais, ou seja, os profissionais das forças e serviços de segurança. Continuar o rumo de empurrar com a barriga, com o discurso dos sacrifícios, do apelo à compreensão, significa agravar os problemas e distanciar cada vez mais as necessidades da realidade concreta existente. Este não é, como bem se sabe, um problema exclusivo desta área, é antes um problema mais global do País. Repare-se como, no que respeita às forças armadas, se enche discursos e análises com o prestígio internacional. Pergunta-se: mas qual a tradução disso para o concreto da vida dos militares e da Instituição? Na Força Aérea os pilotos voam menos e na Marinha navega-se menos e, ainda assim, sobrecarrega-se, nalgumas classes, um núcleo de militares que saltam de navio em navio; o investimento nas necessárias reparações, revisões e actualizações de equipamentos degrada-se por falta de verba; faltam efectivos e faltam meios para incentivos; degradam-se as condições materiais e sociais dos militares, etc., etc. Em que se salda o tão propalado prestígio? A quem serve?

 



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