Obama em Cuba

Ângelo Alves

Há quase um século que um presidente dos EUA não pisava solo cubano

A notícia está a fazer correr muita tinta. O presidente do EUA, Barack Obama, visitará Cuba nos dias 21 e 22 de Março. A notícia foi confirmada no dia 19 de Fevereiro pelo Ministério das Relações Exteriores de Cuba (Minrex) e pela Casa Branca. Num comunicado escrito, o Gabinete do Secretário de Imprensa do presidente dos EUA afirma que a visita servirá para «assegurar o progresso que temos realizado rumo à normalização das relações com Cuba». A nota insiste em alguma da retórica dos EUA, nomeadamente quando refere o «apoio aos direitos humanos» e sublinha que Barack Obama se reunirá, para lá dos encontros oficiais, – «com membros da sociedade civil, empresários e cubanos de todos os âmbitos da sociedade».

Em Cuba a notícia foi dada em conferência de imprensa, com direito a perguntas, por Josefina Vidal Ferreiro, Directora-geral para os Estados Unidos do Minrex. A afirmação inicial foi peremptória e inequívoca: «O mandatário estadunidense será bem-vindo pelo governo de Cuba e pelo seu povo, com a hospitalidade que o caracteriza» e «será tratado com todo o respeito e consideração». Palavras com um enorme significado histórico e político. Desde logo porque há quase um século que um presidente dos EUA não pisava solo cubano. O último a fazê-lo foi Calvin Coolidge, corria então o ano de 1928. A Emenda Platt estava vigente e o povo cubano vivia na miséria e oprimido pela ditadura de Gerardo Machado ao serviço dos EUA. Mas o peso político e histórico destas declarações vai muito mais longe se pensarmos que se referem à visita do mais alto representante de uma nação cujos sucessivos governos são responsáveis por infindáveis pressões e ingerências, inenarráveis campanhas de difamação, inúmeros planos de conspiração e centenas de crimes contra Cuba, o seu povo, os seus dirigentes e a sua Revolução.

É notável a dignidade e segurança com que Cuba anuncia a visita do presidente dos EUA. Bem como a objectividade e clareza com que define os seus limites, afirmando que «constituirá mais um passo rumo à melhoria das relações entre Cuba e os Estados Unidos»; que «para chegar à normalização dessas relações bilaterais teriam que ser resolvidos assuntos chave pendentes, incluindo o levantamento do bloqueio e a devolução a Cuba do território ilegalmente ocupado pela base naval em Guantánamo»; e que a vontade do governo cubano de construir essa nova relação é «baseada nos princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e dos princípios da Proclamação da América Latina e o Caribe como Zona de Paz» e é «alicerçada no respeito das diferenças e nos benefícios mútuos».

A visita de Obama realiza-se num período especialmente importante da vida política cubana e é ela própria uma vitória de Cuba. Uma vitória que acaba com inúmeros mitos e factos, desde logo o de, pela sua presença, o presidente dos EUA furar o bloqueio que o seu Governo impõe contra Cuba, ou ainda o mito da «ditadura comunista» isolada diplomaticamente do resto do Mundo onde o seu povo vive na pobreza e oprimido.

O momento não poderia ser mais simbólico. Realiza-se a apenas três semanas da abertura dos trabalhos do VII Congresso do Partido Comunista de Cuba (16 a 19 de Abril), data em que se comemorarão os 55 anos da proclamação do carácter socialista da Revolução Cubana, e poucas semanas após o Papa Francisco e Cirilo I terem escolhido Havana para realizar o primeiro encontro em quase mil anos entre os líderes da igreja católica e ortodoxa.

Quando o Mundo corre, por acção de potências como os EUA, para um precipício de crise, guerra e derivas fascistas, a visita de Obama a Cuba é uma boa notícia. Não temos ilusões quanto aos objectivos dos EUA face a Cuba, que se mantêm no essencial e não mudarão com esta visita, mas este facto histórico não deixa de ser positivo e constitui já uma vitória dos que resistem há mais de meio século e insistem no caminho do socialismo, da paz e da amizade entre os povos.




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