Comentário

De Lesbos com ardor… (I)

João Pimenta Lopes

O PCP integrou uma missão à Grécia organizada pelo GUE/NGL, entre os dias 4 e 7 de Fevereiro. Com passagem por Atenas, a visita deu particular enfoque à situação vivida na Ilha de Lesbos – hoje a principal porta de entrada na Europa de refugiados e migrantes – e procurou aprofundar o conhecimento da realidade que se vive naquela região nomeadamente quanto à resposta à chamada crise migratória.

Desde 2011, as políticas de ingerência, agressão e intervencionismo militar que os EUA, NATO e UE têm vindo a promover e a financiar no Norte de África e no Médio Oriente resultaram numa gravíssima desestabilização do mundo árabe. Uma estratégia que serve o objectivo de domínio geoestratégico que há décadas está definido e projectado pelos estrategas da guerra imperialista para aquelas regiões.

São expressões dessa estratégia as agressões militares à Líbia, ao Afeganistão, ao Iraque, e a instrumentalização e perversão das chamadas «Primaveras Árabes» que redundaram num amplo conjunto de países na instabilidade política e social, a guerra civil e os confrontos étnicos. A Síria está mergulhada numa «guerra civil» alimentada, como outros conflitos da região, por legiões estrangeiras de «rebeldes», treinadas e armadas fora do país. Ao longo dos anos, nasceram, cresceram e foram financiadas organizações como a Al-Qaeda, a Frente Al-Nusra e o «Estado Islâmico», um dos principais aliados do imperialismo na desestabilização do Iraque e da Síria. Uma organização promovida, financiada e armada pelo Ocidente e que assiste aos seus propósitos, que hoje espalha o terror e a barbárie, servindo simultaneamente de pretexto para a continuidade e escalada de agressão militarista, nomeadamente em território sírio. Só o conflito sírio causou já mais de quatro milhões e 700 mil refugiados, a larga maioria situados na Turquia, Líbano e Jordânia. Uma escalada que poderá a breve trecho estender-se à Líbia, onde se prepara uma nova intervenção militar e que poderá vir a agravar ainda mais esta chamada crise migratória.

Em 2015, vindos do Norte de África e Médio Oriente, foram registadas 1 015 078 entradas na Europa, via Mar Mediterrâneo, sendo a Grécia a principal porta de entrada com 851 319 entradas registadas, a que se segue a Itália com 153 600. Um aumento superior a quatro vezes relativamente a 2014 onde se havia registado 229 430 entradas, 170 mil pela Itália. Até 13 de Fevereiro deste ano, estavam já registadas 82 636 entradas, a larga maioria pela Grécia, correspondendo a um aumento de mais 640 por cento em relação ao período homólogo de 2015. Os países que mais contribuem para este fluxo migratório, quanto à origem dos refugiados e migrantes, são a Síria, o Afeganistão e o Iraque respectivamente. Importa sublinhar que cerca de 30 por cento dos migrantes são crianças, muitas viajando desacompanhadas.

Um fluxo diário contínuo de milhares de pessoas que abandonam os seus países, fugindo à fome, à miséria, à perseguição, à guerra. Uma viagem que pode levar vários meses até que alcancem o seu destino, desafiando a morte.

A travessia do Mediterrâneo vitimou 3500 refugiados/migrantes em 2014 e 3771 em 2015. Em 2016 a contagem ultrapassa já os 400 mortos. Estes são números registados que não contabilizam as mortes invisíveis seja em terra seja no mar, pelo que o número real é desconhecido.

Não bastassem as condições de vida de que fogem e as condições precárias em que se deslocam, ainda se abate sobre estes a dura mão da exploração humana. As redes de tráfico de pessoas têm florescido a reboque das políticas da UE. Para dar o «salto» para um suposto destino, cada migrante paga um valor. O testemunho de um professor de inglês sírio, que deixara o ensino e uma loja na sua terra, e que trouxera a sua família, mulher e três filhos, revela que pagou aos traficantes três mil euros por cada um. Números que, flutuando numa base de caso a caso, demonstram o quanto a tragédia humana pode ser rentável, fixando-se na casa dos milhares de milhões de euros quando extrapolados os valores para o número total de refugiados. A ausência de rotas migratórias legais e seguras para os migrantes, política na qual a UE insiste, aprofundando, ao invés, as políticas de Europa fortaleza, alimenta este negócio. Registe-se que um voo de Istambul ou Nevşehir (cidade a cerca de 550km de Alepo) para a Alemanha tem preços que variam entre os 60 e os 120 euros.

Aqueles que arriscam a vida na travessia da Turquia para as ilhas gregas em embarcações, muitas vezes tripuladas pelos próprios migrantes, apinhadas de gente envergando falsos coletes salva-vidas, o que têm por certo é a recolha da impressão digital e de dados, elementos fundamentais para consumar a verdadeira e única resposta da UE à migração: a política de retorno, ou seja de expulsão.

 



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