Presidentes

Anabela Fino

À beira de terminar dez anos de mandato como Presidente da República, Cavaco Silva invocou o superior interesse das crianças para vetar a adopção por casais do mesmo sexo. A decisão, eivada de preconceitos, suscitou o aplauso de PSD e CDS, que vêem no inquilino de Belém o suporte necessário para prosseguir o retrocesso social que impuseram ao País durante quatro anos. Compreende-se.

Quando milhares de trabalhadores foram despedidos e os respectivos filhos ficaram sem sustento, onde estava Cavaco Silva?

Quando a política dita de austeridade levada a cabo pelo anterior governo cortou abonos de família, afectando milhares de crianças, onde estava Cavaco Silva?

Quando o governo PSD/CDS cortou o rendimento social de inserção e outras prestações sociais, deixando milhares de crianças ao abandono, onde estava Cavaco Silva?

Quando, em 2013, os riscos de pobreza para os menores de 18 anos atingiram 25,6 por cento da população, onde estava Cavaco Silva?

Quando o risco de pobreza das famílias monoparentais em que um adulto vive com pelo menos uma criança chegou aos 38,4 por cento, onde estava Cavaco Silva?

Quando os ditames da troika e do governo que se gabava de ir além da troika fizeram o País retroceder uma década em termos de pobreza e de exclusão social, onde estava Cavaco Silva?

Quando, em 2014, quase três milhões de portugueses (27,5 por cento) sobreviviam na miséria, onde estava Cavaco Silva?

Quando, em 2014, o INE revelava que 26,3 por cento das famílias com crianças se encontravam em privação material, 11,3 por cento das quais em privação material severa, onde estava Cavaco Silva?

Quando se soube que entre 2011 e 2013 a taxa de risco de pobreza passou de 45,4 para 47,8 por cento da população, devido à perda de apoios como pensões de sobrevivência, reformas e outras transferências sociais de apoio às famílias, educação, habitação, doença ou desemprego, onde estava Cavaco Silva?

Quando o coordenador do maior estudo sobre as desigualdades sociais em Portugal, o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, Farinha Rodrigues, denunciou que «nos últimos anos, houve uma deliberada desresponsabilização do Estado, deixando de reconhecer direitos e optando pelo assistencialismo, a caridadezinha», onde estava Cavaco Silva?

A resposta a estas perguntas é só uma: Cavaco estava em Belém apostado na sobrevivência do governo e da política que fez regredir o País a uma situação só equiparável à dos tempos da ditadura fascista.

Ao vetar agora o diploma sobre a adopção por casais do mesmo sexo – bem como o que revoga as alterações à lei da IVG –, o ainda Presidente reafirma a sua incompatibilidade com a Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir, sobretudo com aquela parte em que se garante a igualdade de direitos e dignidade social a todos os cidadãos. É de presidentes assim que a direita gosta.

 



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