Os cordeiros

Henrique Custódio

O vitupério à desfilada da direita parece abrandar na subida, que é o quotidiano do País e da governação. Apenas os suspeitos do costume vociferam aos astros, caso de Portas a declarar, na pompa costumeira, que «sempre dissemos que em caso de derrota sairíamos com dignidade» sem, aparentemente, se aperceber de que martelar na tecla do «derrotado por quem não sabe perder» é desempenhar o papel oposto do que pretende proclamar.

Passos Coelho continua na pose do estadista em rancor brando, aproveitando os palcos que a Comunicação Social continua, estranhamente, a abrir-lhe de par em par, como se o homem ainda continuasse a ser o chanceler do reino. Debita as patacoadas do costume no registo de barítono com que cantou «Unidos para Sempre» e, todavia, não disfarça (nem tal pretende) o agravo que lhe corrói as entranhas da alma – o de ter sido afastado do poder, sem apelo nem agravo. No entremendes, continua a ignorar olimpicamente que perdeu a maioria absoluta na Assembleia da República - a que lhe permitiu fazer os estragos que fez no País e, ao contrário, agora o impede de desgovernar. Assim surge agindo como injustiçado em busca da bíblica vingança do olho por olho. Só esperamos que não acabe cego, valha-lhe Deus.

Mas a direita – sobretudo, os interesses económicos que a enformam e determinam – continua apreensiva, não tanto por estar apeado o Governo que lhes defendia os interesses, mas sobretudo pelo que temem vir a perder do muito que ganharam com a governação Passos/Portas, nomeadamente em matéria de legislação laboral (que foi gravemente mutilada), de contratação colectiva (quase desarticulada) e das garantias legislativas feitas de encomenda para lhes assegurar lucros e mais-valias não apenas à tripa-forra, mas isentas (ou quase) de taxas, impostos ou o que quer que seja, em matéria fiscal.

Pragmático, o grande capital espera para ver até onde irão as decisões, medidas e vontade política do Governo do PS/Costa, tocando de ouvido, como de costume, sobre o que vai ocorrendo, mas também sempre procurando garantias a médio prazo.

Desiluda-se quem imagine (ou tema) possíveis reacções dramáticas das forças capitalistas, perante medidas de reposição liminarmente justa de salários e direitos decididas pelo Governo do PS/Costa. O capitalismo é uma velha raposa, tem um imenso rebanho a gerir e só está implacavelmente à vontade, quando não há carneiros que se alevantem por lá, de revolta decidida.

Nesses casos, procura geralmente que não haja reboliço no pasto pois sabe, de ciência certa, que nada mais perigoso que cordeiros em alvoroço.

Por estranho que pareça, e parafraseando Shakespeare, nessas ocasiões os cordeiros viram leões e, depois, não há erva que os cale ou facilmente os satisfaça.

 



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