Agenda reaccionária

Luís Carapinha

O quadro de crise geral do capitalismo repercute-se no aumento cavado das desigualdades e assimetrias no mundo. O que também significa que os efeitos da crise se têm reflectido de forma díspar entre países e regiões. Enquanto o centro da «tríade imperialista» continua a caminhar no fio da navalha, com taxas de crescimento anémicas, o eixo da tempestade atinge agora frontalmente as chamadas economias emergentes, nas quais se tinha consideravelmente sustentado o peso do crescimento do PIB mundial nos anos que se seguiram ao rebentar da bolha do subprime nos EUA, em 2007-8.

No caso particular da América Latina, o arrefecimento e contracção das principais economias da região é bem ilustrativo dos efeitos adversos da presente conjuntura e das fragilidades de um modelo de crescimento em grande medida ancorado na alta das exportações e dos preços das matérias-primas (o desaceleramento económico e a quebra das importações chinesas contribuem para a situação, embora, globalmente, convenha ter presente que a taxa de crescimento do PIB da 2.ª maior economia mundial se conserva acima do dobro da dos EUA). Na Venezuela, por exemplo, com o barril de crude a transaccionar-se, inclusive, abaixo dos 40 dólares, as contribuições fiscais da petrolífera estatal  baixaram para metade no espaço de um ano. É contando – e operando – com a acção destes factores, que os EUA e as forças do grande capital prosseguem a sua vastíssima contra-ofensiva, visando quebrar os processos populares e progressistas no sub-continente e desarticular os espaços regionais de integração e cooperação soberanas que desafiam o domínio imperialista.

A estratégia e acção conspirativa dos paladinos contemporâneos – que já não se assumem como tal – da doutrina Monroe não produziu os efeitos esperados em mais de década e meia de ascenso de governos progressistas e avanços libertadores na América Latina. Desde a vitória de Chávez, em 1998, nenhum governo progressista foi afastado do poder por via eleitoral. Nas Honduras e Paraguai a via golpista foi consumada, mas as tentativas de golpe de estado na Venezuela, Bolívia e Equador fracassaram.

Contudo, as incidências da crise capitalista e o acumular das dificuldades económicas – agravadas pelo boicote e desestabilização permanentes –, a par de factores de desgaste e divisão nos planos político e social, ofereceram novas possibilidades para o recalibrar da agenda reaccionária, que goza de avultado financiamento e do apoio dos principais meios de comunicação. Se no Brasil, a recondução de Dilma Rousseff na Presidência no sufrágio de 2014 não obstou a que logo a seguir a grande burguesia e sectores articulados com Washington se lançassem numa enfurecida investida de contornos golpistas, cuja ameaça foi travada, mas não se encontra derrotada, já na Argentina as suas expectativas colocam-se agora numa viragem à direita na 2.ª volta das presidenciais, de 22 de Novembro. Para tal será necessário lograr a derrota da candidatura de Scioli da Frente para a Vitória, aliança heterogénea de mais de uma dúzia de forças, desde o kirchnerismo aos comunistas argentinos, que parte com uma vantagem de dois pontos percentuais.

Eleição que adquire igualmente uma dimensão continental, antecedendo as legislativas na Venezuela de 6 de Dezembro. Não é demais recordar que a Venezuela Bolivariana permanece um alvo central da manobra subversiva do imperialismo na América Latina. O recurso à guerra económica e a ameaça latente intervencionista são uma realidade só sonegada pelas grandes agências mediáticas. Ainda, nestes dias, a obscura figura do responsável do Comando Sul do Pentágono insinuou com a possibilidade de uma «intervenção» humanitária na Pátria de Bolívar. E, apesar de enganadoras palavras de apaziguamento, o famigerado decreto de Obama que qualifica a Venezuela de «ameaça inusual e extraordinária» para a segurança dos EUA não foi revogado...




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