O fantasma
O título destas duas colunas inspira-se na frase inicial do «Manifesto» de Marx e Engels: «Um fantasma percorre a Europa – o fantasma do comunismo (…)». A palavra do original alemão pode ser traduzida por «espectro», mas permita-se-nos acompanharmos a tradução por «fantasma» adoptada pelo grande poeta espanhol Rafael Alberti: «Un fantasma recorre Europa / y las viejas famílias cierran las ventanas / afianzan las puertas(…)». Resta, porém explicar o motivo que justificará (ou não) o título escolhido: o alarme, quase vizinho do pânico, desencadeado em alguns sectores da sociedade portuguesa, designadamente nos círculos políticos afectos ao PSD e ao CDS-PP mas também noutros que talvez seja dispensável nomear, perante a hipótese de um apoio parlamentar do PCP, e também do BE, a um executivo do PS, assim se inutilizando o projecto da direita impura e dura de prosseguir a tarefa de redução à miséria da maioria do povo português. Os mais distraídos, ou talvez antes os mais hipócritas, vemo-los na televisão a manifestarem-se surpreendidos pela atitude do PCP que permite cortar o caminho à direita: não se lembram, ou fingem não se recordar, de que Jerónimo de Sousa repetidamente afirmou que o voto do PCP nunca faltaria ao PS sempre que se tratasse de travar a dupla PSD/CDS-PP e a sua política antipatriótica e de direita.
Susto, impostura e alarme
Assim, é vê-los a desfilar perante as câmaras e os microfones das diversas operadoras de TV para lançarem o quase espavorido aviso à população: vem aí o comunismo, regressará o PREC, a comunidade internacional cairá sobre nós, os «mercados» e as agências de «rating» reduzir-nos-ão a cacos! Eles sabem, é claro, que o alarme é falso; que a disponibilidade do PCP visa apenas quebrar o percurso governativo de uma coligação cuja prática de opressão e exploração do povo em geral e dos trabalhadores em particular, sempre em benefício dos potentados económico-financeiros e das classes possidentes, demasiadas vezes pareceu próxima de uma governação de orientação parafascista de fachada democrática. Eles sabem-no, mas mentem até acerca do que de facto entendem. Chegam ao ponto de, para potenciarem o susto que visam injectar na sociedade portuguesa, evocarem os tempos mais consequentes e tendencialmente mais revolucionários posteriores a Abril, aparentemente convencidos de que a falsificação da História que há quarenta anos andam a promover com farta utilização dos media por eles controlados há-de ajudá-los na impostura. Num outro plano, contam com um aliado ainda poderoso: sabem que o ainda Presidente da República, já por pouco tempo mas pelo tempo ainda suficiente para semear de obstáculos o trajecto para uma solução verdadeiramente democrática da questão emergente dos resultados eleitorais, fará o que puder para um resultado a seu jeito mas não ao jeito dos interesses do povo português. De onde o alarme, de onde as calúnias retomadas, de onde as imposturas mil vezes repetidas. Tudo isso a atestar que essa gente olha o País e, apavorada, julga ver um antigo fantasma a percorrê-lo. Não é apenas um erro de análise política: é o produto da certeza que têm, por muito que a ocultem, do mal que fizeram ao País durante os anos. E, é claro, quem fala de país fala de povo. Sem o qual não há país. Por mais que se esforcem os que julgam ganhar com a ocultação dessa identidade.