Direito a alimentação saudável
A 20.ª Conferência da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, realizada em Novembro de 1979, instituiu o dia 16 de Outubro como o Dia Mundial da Alimentação, com os objectivos de, entre outros, alertar para a problemática da fome, pobreza e desnutrição no mundo; encorajar a participação da população rural, na tomada de decisões que influenciem as suas condições de vida.
O tema para 2015 é a «Protecção Social e Agricultura: Quebrando o Ciclo da Pobreza Rural», o que, com a aprovação pelo Comité dos Direitos Humanos da ONU, no passado dia 1 (com o voto contra dos EUA e a abstenção dos países da União Europeia, Portugal incluído) da Declaração Universal dos Direitos dos Camponeses e outras Pessoas que Trabalham nas Zonas Rurais, denuncia a presente situação a nível planetário.
E obriga, não apenas a assinalar este Dia, mas a um debate sobre a evolução da produção de alimentos, a situação de carência alimentar da maioria de países e povos, a situação de esgotamento e contaminação dos recursos naturais e ambientais e a situação dos pequenos e médios agricultores – a Agricultura Familiar que, enfrentando as políticas do agronegócio das grandes multinacionais e apesar de possuírem apenas 30 por cento da terra arável, asseguram a alimentação de 80 por cento da população mundial.
Apesar de todos os acordos, dos «investimentos para o desenvolvimento» de países mais débeis, apesar das inovações tecnológicas e científicas, propagandeadas como a solução para a eliminar, a fome e a subnutrição não baixam naqueles e aumenta nos países ditos desenvolvidos.
A coberto de acordos de natureza neocolonial, as cada vez maiores e em menor número companhias do capital transnacional do agronegócio da indústria e da distribuição, impõem um modelo produtivista, esgotante dos recursos naturais, com a apropriação de vastos territórios para instalação de gigantescas empresas «agrícolas» e a prática escravização dos camponeses espoliados das suas terras, com os países que dizem querer desenvolver a ficarem cada vez mais deficitários e dependentes ao agronegócio capitalista, com a substituição das culturas tradicionais por produtos para exportação.
Na voracidade do lucro as grandes companhias multinacionais canalizam o investimento, não para a satisfação das necessidades das populações com produtos de qualidade, mas para a intensificação da produção ao mais baixo custo, com recurso a toda a gama de tóxicos, muitos deles já proibidos em vários países, ao consumo de cada vez mais água, à utilização de sementes OGM, que muitos países, mesmo da UE já proibiram, mas de que o governo português é fiel adepto. Os escândalos comerciais e sanitários provocados pelo grande agronegócio sucedem-se.
Nos chamados países desenvolvidos, para aumentar os lucros do agronegócio, desenvolvem-se políticas consumistas (para os que têm dinheiro) e hoje muitos já não conhecem os produtos de cada época, porque nos hipermercados está tudo, vindo de todo o lado, durante todo o ano. Com isso sofrem os agricultores dos países importadores de tais produtos e sofrem as populações, que desconhecem as condições de produção e a qualidade (ou a falta dela) do que são obrigadas a comer.
O mercado capitalista não é regulável
Com a adesão à CEE / UE e a imposição da PAC a Portugal, à nossa agricultura e à população, intensificou-se o ataque à pequena agricultura e o País é hoje largamente dependente, com responsabilidades partilhadas pelos governos do PS, do PSD e do CDS, em diversas combinações. Será difícil encontrar uma só medida de descriminação positiva que valorize a pequena e média agricultura e o consumo nacional de alimentos por ela produzidos, que distinga um destes partidos dos outros ou um governo dos demais que, ao longo destes anos, eliminaram mais de metade das explorações agrícolas.
Mais uma vez os declarados objectivos de prosperidade foram apenas para o pequeno número que domina o agronegócio capitalista da indústria, da distribuição e grandes proprietários que recebem rios de dinheiro mesmo sem produzirem.
As regras, restrições e condicionantes impostas pela UE e as medidas governativas que se abatem sobre os pequenos e médios agricultores, conduzem à falência de milhares de explorações e a mais recente orientação da política governamental do «investir para exportar», inseridas na estratégia global do capitalismo, de deslocalização da produção, agravam a nossa dependência alimentar.
A crise do sector leiteiro que afecta Portugal e vários outros países é ilustrativa do que é a PAC. As políticas de preços, a «aterragem suave» e a eliminação das quotas, que protegiam a produção, eliminaram mais de 90 por cento das explorações portuguesas. É a prova de que o mercado capitalista não é regulável, é a prova da concentração da produção e a acumulação de lucro num número cada vez mais reduzido.
Os países da UE são os maiores importadores de produtos frescos e a grande agro-indústria europeia é a principal exportadora de produtos transformados. Ao importar de países terceiros, a baixo preço, produtos que os agricultores europeus poderiam produzir, a UE assume-se como carrasco dos seus próprios agricultores.
A estratégia de domínio planetário, em que se insere o anunciado TTPI entre a UE e os EUA, reflecte-se em países produtores terceiros. Com a sistemática baixa de preços dos produtos frescos, estes países têm que intensificar a produção com recurso a mais químicos, OGM, sementes controladas, equipamentos, tecnologia, adquiridas aos primeiros, mais exploração da mão-de-obra, para pagar o que têm que importar para alimentar a população.
Deixaram de falar em soberania alimentar, substituindo-a por «segurança alimentar» que para o capital se resume ao abastecimento do mercado com os produtos que controla.
Lutando contra as políticas de domínio do capital, a Agricultura Familiar defende que a produção de alimentos saudáveis é uma necessidade essencial à vida humana e por isso deve estar fora do negócio capitalista.
O planeta continua a ter possibilidade de alimentar a humanidade com produtos de qualidade, preservando as espécies, o ambiente e os recursos naturais.
O que faltam são outras políticas que promovam e assegurem o direito a uma alimentação saudável, o direito de cada país produzir o que pode para alimentar as sua população.
O que falta é aquilo por que lutamos, uma política que promova a Reforma Agrária e o direito de quem produz à terra.