No Dédalo

Henrique Custódio

Dédalo, na mitologia da Grécia Antiga, era um arquitecto e inventor prodigioso, que construiu o labirinto de Creta sob encomenda do rei Minos para esconder o Minotauro, monstro de corpo humano e cabeça de touro que, por determinação de Poseidon, rei dos mares (e por razões que não vêm ao caso), todos os anos devorava sete rapazes e sete raparigas oferecidos pela cidade de Atenas, em sacrifício ritual (foi Teseu, um jovem ateniense, que penetrou no labirinto, matou o monstro e acabou com a maldição, mas isso é já outra história).

O Labirinto (ou Dédalo) era aparentemente inextricável e quem nele penetrasse já de lá não saía (Teseu utilizou um novelo de lã para recuar e sair, após matar o Minotauro).

É o que está a suceder ao povo português – ser de novo encaminhado para o Labirinto, tangido como um rebanho pelas atenciosas campanhas eleitorais do PS e do PAF (que é como quem diz do PSD e CDS). E de lá não costumam sair, os portugueses, nas sucessivas campanhas eleitorais, estentoreamente assediados com promessas, melifluamente reconhecidos com certificados de honradez, de dignidade, de patriotismo, de lucidez, de bom senso, de coragem e de profunda e atávica «inteligência sábia do povo», tudo tonitroantemente certificado pelas lideranças do PS e do PAF, deixando o povo ainda mais perdido no seu labirinto.

No final das eleições, de repente os portugueses vêem o enxame dos promitentes políticos do PS e do PAF desaparecidos em parte incerta, as promessas panfletárias reduzidas a prospectos manhosos e amarrotados, que já só podem servir para embrulhar peixe – se peixe houver para embrulhar – e a desolação do costume espraia-se pela paisagem, tendo por notas de vida e de ânimo as árvores e os rios, os caminhos e as quebradas, as ruas e os becos, os bosques e as praias, as ventanias da serra, a brisa dos pinhais e a aragem marítima, que fielmente acompanham o quotidiano dos portugueses.

Entretanto, a miséria e a exploração costumeira regressam, reactivadas, por acção da nova maioria – por outros encantos (estes de demagogia pura) eleita o novo «Governo da nação».

Tem sido assim desde há 39 anos, PS e PAF alternado-se na missão persistente de degradar sempre mais os valores da vida democrática portuguesa criados com a Revolução de Abril, numa espécie de Tico e Teco do nosso descontentamento, ora um ora outro para nos infernizar a vida, mais e mais.

Neste Dédalo, onde PS e PAF regularmente enfiam os portugueses, o Minotauro é colocado de fora, mito assustador que empurra o povo para o abrigo do labirinto, onde o trio dos lidadores espera manejá-los, sempre a bel-prazer.

Mas cuidado com os mitos. Acordam sempre. E um dia o povo português verá que o Minotauro não existe, desfazendo o Dédalo onde o lidaram durante décadas.




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