Os bons, os maus e os outros
Foi um, mais um, debate acerca da chamada «Crise Grega» já quando declinava o passado fim-de-semana. Então ainda os telespectadores portugueses não sabiam que o problema grego e europeu havia sido solucionado graças a uma decerto sábia contribuição dada à última hora pelo incomparável primeiro-ministro português, o que haveria de ser-nos revelado pelo próprio na manhã seguinte graças a um momento de menor vigilância da sua modéstia. Foi, pois, nos últimos momentos do domingo, durante mais um debate com a Grécia por tema, que um dos participantes, sujeito decerto sabedor a avaliar pelo apelido que transporta, declarou que, na questão em apreço, «não há bons nem maus». A sentença terá impressionado alguma gente porque, apesar de conduzir a uma absolvição geral de todos os envolvidos no drama grego, não é comum admitir-se que as grandes desgraças não têm grandes responsáveis que as desencadearam, e até sugere que afinal o caso grego não seria tão grave quanto se suporia ao ouvirmos falar de grandes penúrias, grandes angústias, grandes desesperos. Com perdão da comparação seguramente excessiva, ouvir dizer que na raiz da questão grega não houve «bons nem maus» lembrava um pouco a afirmação de Le Pen segundo o qual o «holocausto» praticado pelos nazis alemães foi apenas «um detalhe». Porque, como tudo na vida onde, como teremos aprendido há já distantes anos, «não há efeito sem causa», a crise grega teve autores, cúmplices e impulsionadores, não caiu apenas aos trambolhões do Céu ou talvez do Olimpo, que é onde em tempos moraram os deuses daquela gente.
Desespero e caixões
Contudo, até aos telespectadores portugueses, que decerto não são os mais bem informados do mundo, foi dado perceber que o povo grego, tantas vezes acusado de desamor ao trabalho e ao pagamento de impostos, de à semelhança de outros povos do Sul da Europa apenas querer descansar a uma boa sombra e «molhar os pés» nas praias (para usar aqui uma inesquecível expressão do engenheiro Belmiro falando dos trabalhadores portugueses), tem vindo a ser desde há décadas vítima de acções feias, porcas e más, cometidas por indivíduos a condizer com estes adjectivos e independentemente das respectivas nacionalidades. Ainda haverá por aí quem se lembre, embora mal, da invasão da Grécia pelos italianos de Mussolini e num segundo tempo pelos exércitos de Hitler, mais tarde do esmagamento pela direita grega dos patriotas que tentavam implantar uma sociedade mais justa e mais igual, depois ainda da chamada «ditadura dos coronéis» a que se seguiu, enfim, a democracia. E, nesta, aconteceram os governos que compraram à Alemanha submarinos e aviões como se tratasse de géneros de primeira necessidade, que viciaram as contas públicas graças ao «auxílio técnico» de figurões formados no Ocidente Euroatlântico, que permitiram que os diversos Onassis arvorassem o pavilhão panamiano na sua frota mercante para não partilharem os seus lucros com a generalidade do povo. Todos muitíssimo democratas, é claro, nem a dúvida alguma vez se pôs. O resultado de tudo isto e do muito mais que aqui não cabe tem vindo a ser conhecido nos últimos tempos e, de quanto se soube, refira-se apenas um dado que a televisão divulgou há poucos dias: ocorreram na Grécia, nos últimos cinco anos, cerca de dez mil suicídios, número que diversos estudos consideram consequência do aumento do desemprego e do exponencial crescimento das obrigações fiscais. A ser assim, e tentando-se atender à tal questão das causas e dos efeitos, parece inevitável concluir que, ao contrário do que sustentou o comentador citado no início destas colunas, haverá, sim, como personagens relevantes no quadro da crise grega, não apenas «maus e bons», os primeiros situados não só na própria Grécia como fora dela, na Europa Central e Nórdica, mas também «os outros», isto é, os mortos: os que foram de facto chacinados. Pela austeridade que não produziu mais que afundamento da economia, desespero e caixões.