Oxi!

Henrique Custódio

No res­caldo do Re­fe­rendo na Grécia – onde o «Não» teve uma vi­tória es­tron­dosa – as te­le­vi­sões abar­ro­tavam de co­men­ta­dores. Um deles, Vi­riato So­ro­menho Mar­ques, afir­mava a dado mo­mento que «a Eu­ropa fez au­tên­tico bullying à Grécia», ao que a mo­de­ra­dora re­tor­quiu «e vice-versa», coisa que So­ro­menho pul­ve­rizou di­zendo, apenas, que «quem faz bullying é sempre o mais forte».

Este epi­sódio re­vela o des­norte que se ins­talou nas te­le­vi­sões, con­forme a «di­mi­nuta vi­tória» do início crescia a olhos vistos, ins­ta­lando-se ra­pi­da­mente nos 61 por cento do «Não» pro­mo­vido pelo go­verno grego contra 39 por cento do «Sim», num uni­verso de vo­tantes que ul­tra­passou os 60 por cento.

O caso foi no­tório em José Gomes Fer­reira e Luís Del­gado na SIC No­tí­cias, onde pe­roram com re­gu­la­ri­dade. Ora ad­mi­tiam que «o go­verno grego ob­ti­vera uma mai­oria subs­tan­cial» e «isso era um pro­blema para as ins­ti­tui­ções eu­ro­peias» (Del­gado), ora se lan­çavam em cál­culos fu­ri­osos de mi­lhões sobre mi­lhões de dí­vida «que tinha de ser paga, não há al­ter­na­tiva» (Gomes Fer­reira), sem ne­nhum se aper­ceber que es­tavam a pa­tinar em pre­missas que ha­viam aca­bado de ser li­qui­dadas.

Em pri­meira linha, há que que as­si­nalar a co­ragem e o es­pí­rito de luta do povo grego, que fez frente e der­rotou em toda a linha o diktat ar­ro­gante de quem manda no euro, com enorme re­levo para a Ale­manha, que quis vergar até à ren­dição hu­mi­lhante um povo que vo­tara e es­co­lhera de­mo­cra­ti­ca­mente, pri­meiro, quem se com­pro­me­tera a opor-se à po­lí­tica de de­sastre im­posta há vá­rios anos pela troika – e re­du­zindo à in­sig­ni­fi­cância elei­toral os dois par­tidos do «cen­trão» que con­cre­ti­zaram essa po­lí­tica rui­nosa; se­gundo, um Re­fe­rendo, onde mais de 60 por cento votou «Não», contra a con­ti­nu­ação da po­lí­tica de cortes ge­ne­ra­li­zados.

Em se­gunda linha, ficou ex­posto o cariz to­ta­li­tário da União Eu­ro­peia e da Zona Euro.

Já foi pe­sa­da­mente ver­dade que nunca per­gun­taram aos vá­rios povos o que pen­savam e se que­riam as ade­sões su­ces­sivas a vá­rios Tra­tados que foram, en­tre­tanto, ti­rando pau­la­ti­na­mente au­to­nomia aos países e aos povos mem­bros, a favor do «go­verno da União».

Agora, através de um Re­fe­rendo que os apa­nhou de sur­presa – e os en­rai­veceu ao ponto de pro­cu­rarem in­flu­en­ciar o «Sim» (a opção que acei­tava as im­po­si­ções da troika) por todos os meios, in­cluindo o brutal en­cer­ra­mento dos bancos gregos –, dei­xaram ex­posta a ver­da­deira face di­ta­to­rial.

A si­tu­ação está fluída e pode mudar re­pen­ti­na­mente. É certo que os EUA não querem a Grécia fora do euro por ra­zões geo-es­tra­té­gicas, mas os loucos não se ex­tin­guiram na Ale­manha e cor­re­la­tivos e o ca­pi­ta­lismo, efec­ti­va­mente, só cos­tuma ceder à força...




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