Grécia – a força do povo
O povo grego emitiu uma opinião muito «simples» e clara
Um desempregado de 35 anos, de seu nome Thodoros, dizia a um jornalista português, quando comemorava a vitória do «Não» na Praça Syntagma, o seguinte: «Digam aos portugueses que na Grécia lutamos também por vocês». O sentido internacionalista e solidário desta frase é notável e ilustra bem a magnitude da experiência política que se vive na Grécia. As palavras dignidade e orgulho foram repetidas na noite da vitória do Não, e com razão. Foi notável o discernimento, a determinação e a serenidade com que o povo grego respondeu à despudorada e terrorista campanha de chantagem política e económica que contra si foi lançada.
Para lá das análises políticas sobre a situação na Grécia e na União Europeia, para lá das diferentes opiniões sobre a oportunidade e necessidade do referendo grego, muito para além da reflexão sobre o papel, percurso e postura do governo daquele país – não insento de contradições, cedências e hesitações – o importantíssimo facto da resposta popular que acaba de ser dada – associado à resposta que as eleições de 25 de Janeiro representaram – constitui, independentemente de ulteriores desenvolvimentos, um importante avanço na luta pela derrota das teorias do medo e do conformismo. O resultado do referendo é acima de tudo uma notável demonstração de consciência política. Esse facto, associado às reacções populares e democráticas na Europa, é uma contribuição de ouro para desmentir pela prática a mentira, construída durante décadas, de que Europa significa União Europeia e de que União Europeia é sinónimo de «solidariedade e coesão». Esse valores existem, sim, mas entre os povos e não nos gabinetes de Bruxelas, como acaba de ser demonstrado.
Se há facto a reter do processo relativo à Grécia esse é o de que o embate de classe que sempre esteve presente no processo de integração capitalista está hoje muito mais claro e presente na consciência colectiva dos povos e em particular dos povos da chamada «periferia» da União Europeia. Hoje é mais muito evidente que de um lado estão o grande capital, os grandes bancos, o capital financeiro, as «instituições europeias» – com os seus correspondentes «nacionais» e as forças políticas ao seu serviço – e do outro estão milhões de trabalhadores, povo que produz riqueza todos os dias e cuja única arma que tem é aquilo que conquistaram com a sua luta – direitos, democracia e soberania e… a consciência da sua força enquanto motor da transformação social.
O referendo, independentemente das razões e objectivos que levaram o governo grego a convocá-lo, não foi uma peça negocial nem um «Ás de trunfo», mas sim uma poderosa demonstração de algo muito mais profundo que nos leva, inevitavelmente, a olhar para o cerne do processo de transformação social. É óbvio que o referendo na Grécia aconteceu num contexto muito específico, e é também óbvio que o objectivo do governo que o convocou foi o de conseguir uma posição mais forte e segura face à intransigência do directório de potências e das chamadas instituições. Mas a realidade social é muito mais rica do que isso. É muito mais rica e poderosa do que um «simples» processo «negocial» entre uma União Europeia completamente enfeudada aos interesses do grande capital, mergulhada na lama das suas contradições, destilando ódio, desprezo e arrogância pelos mais elementares direitos dos povos, e um governo que, confrontado com o sofrimento do seu povo, insiste em travar a batalha num campo de batalha cujas fronteiras são definidas pelo «inimigo» do povo que representa.
Não! O povo grego emitiu uma opinião muito «simples» e clara. Quer mandar no seu próprio devir colectivo. Entende que o seu país é o seu povo e não a «liquidez» dos donos dos bancos, ou a opinião das agências de notação. Demonstrou que a realidade é algo de muito palpável que se mede não em milhões de euros, mas em dignidade, vida e esperança. E essa consciência ganhou-se de uma forma: pelos processos de luta que há muitos anos se desenvolveram de forma impetuosa naquele país. E será a força daquele povo, junto com outros, que determinará o curso dos acontecimentos, tal como em Portugal. Saiba o próprio governo grego interpretar essa importantíssima mensagem…